Em meados de março foi lançado pelo Painel Intergovernamental sobre […]

Relatório do IPCC destaca a relação entre sistemas alimentares e mudanças climáticas

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 15/04/2023 |

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Em meados de março foi lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC o Relatório Síntese do Sexto Relatório de Avaliação durante a 58ª Sessão do Painel realizada na Suíça entre 13 e 19 de março de 2023. O Relatório Síntese não é exatamente um conteúdo novo, mas como o próprio nome já diz, uma síntese que se baseia no conteúdo de relatórios prévios, sendo os três Relatórios de Avaliação dos Grupos de Trabalho: WGI – A Base das Ciências Físicas, WGII – Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, e WGIII – Mitigação das Mudanças Climáticas, além dos três Relatórios Especiais: Aquecimento Global de 1,5°C, Mudanças Climáticas e Terra, O Oceano e a Criosfera em um Clima em Mudança.

A emissão de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes das atividades humanas, principais responsáveis pelo aquecimento global, seguem aumentando devido a fatores como uso insustentável de energia, uso da terra e mudanças no uso da terra, estilos de vida, padrões de consumo e produção entre regiões, entre e dentro dos países, e entre indivíduos. Neste contexto, o principal destaque e alerta do relatório é: O ritmo e a escala da ação de combate às mudanças climáticas são insuficientes para enfrentar de fato as mudanças climáticas. Ou seja, se os padrões de emissões de GEE se mantiverem como estão não será possível manter o aumento da temperatura média global a menos de 2 ° acima dos níveis pré-industriais, afetando diretamente as diferentes formas de vida e ecossistemas, causando o aumento de eventos climáticos extremos, escassez hídrica, insegurança alimentar, entre outros.

Os desafios apresentados incluem a rápida redução das emissões globais de GEE, chegando a uma redução de quase metade até 2030; ampliação das práticas e infra-estrutura para aumentar a resiliência; e ações necessárias ao longo de inúmeras dimensões. Os caminhos para que estes desafios consigam ser superados precisam ter em seu cerne ações rápidas, com opções atualmente disponíveis e já testadas, com possibilidade de serem projetadas para contextos diversos, e com a importância de serem amplamente disseminadas e aplicadas. Além dos desafios, o relatório também traz esperança por meio de três principais pontos: i) A integração de ações climáticas eficazes e equitativas agora reduzirá as perdas e danos para a natureza e as pessoas; ii) A ação climática proporciona cobenefícios; iii) Múltiplas opções viáveis e eficazes estão disponíveis para reduzir as emissões de GEE e adaptar-se às mudanças climáticas causadas pela humanidade. Dentre os fatores relevantes para uma ação climática efetiva foi destacado o comprometimento político, a governança inclusiva, a cooperação internacional, a gestão efetiva dos ecossistemas e o compartilhamento de diferentes formas de conhecimento. No entanto, o relatório deixa claro a importância do aumento do financiamento descentralizado para que esta ação climática seja efetiva.

No que diz respeito aos sistemas alimentares, vale lembrar que são muito impactados, porém também responsáveis pelas mudanças climáticas. Dados do relatório atestam que em 2019, 22% dos GEE globais estavam relacionados com as atividades de agricultura, silvicultura e outros usos da terra. Além disso, são diversos os destaques do relatório para impactos adversos das mudanças climáticas de origem humana, entre eles a intensificação na escassez hídrica e na produção de alimentos, além de impactos na saúde e bem estar; cidades, assentamentos e infraestrutura; estrutura do ecossistema, mudanças na gama de espécies e no tempo. Os maiores impactos são especialmente as comunidades mais vulneráveis em regiões da África, Ásia, América Central e do Sul, Pequenas Ilhas e Ártico, tais como povos indígenas, pequenos produtores de alimentos, ribeirinhos e pescadores.

SISTEMAS ALIMENTARES NO COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: MITIGAÇÃO E ADAPTAÇÃO

A partir do relatório é possível compreender que os sistemas alimentares são apontados como parte do caminho tanto para mitigar quanto para se adaptar às mudanças climáticas. No que concerne aos principais progressos atuais na adaptação, são ressaltadas as seguintes ações: melhorias de cultivar, gestão e armazenamento de água na exploração agrícola, conservação da umidade do solo, irrigação, agrofloresta, adaptação baseada na comunidade, diversificação a nível agrícola e paisagístico na agricultura, abordagens de gestão sustentável da terra, utilização de princípios e práticas agroecológicas e outras abordagens que funcionam com processos naturais. No entanto, apresenta também os principais obstáculos à adaptação, sendo eles recursos limitados, falta de envolvimento do setor privado e dos cidadãos, mobilização insuficiente de financiamento (incluindo para pesquisa), pouca ou nenhuma educação climática, falta de empenho político, pesquisa limitada e/ou lenta e baixa aceitação da ciência da adaptação, e baixo sentido de urgência.

Já pelo âmbito da mitigação, o relatório cita a importância do antigo Protocolo de Quioto e mais recentemente do Acordo de Paris, adotado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima – UNFCCC, com participação quase universal e que conduziu ao desenvolvimento de políticas e ao estabelecimento de metas a nível nacional e subnacional, em particular em relação à mitigação, bem como ao reforço da transparência da ação e apoio climático. Além disso, ressalta entre as opções de mitigação já em curso as infra-estruturas verdes urbanas, melhor gestão das florestas e das culturas/prados, e redução do desperdício e perda de alimentos.

Apesar destas ações, algumas mudanças futuras serão inevitáveis e/ou irreversíveis, no entanto poderiam ser limitadas por uma profunda, rápida e sustentada redução global das emissões de GEE. As opções de adaptação que são viáveis e eficazes hoje em dia tendem a tornar-se menos eficazes com o aumento do aquecimento global. Já as opções de mitigação apesar de terem frequentemente sinergias com outros aspectos do desenvolvimento sustentável, podem gerar também alguns impactos negativos.

O fato é que é preciso uma mudança sistêmica para alcançar reduções rápidas e profundas de emissões e transformações. Apesar da importância e escala das estratégias de adaptação às mudanças climáticas, nem sempre a velocidade é suficiente para esta mudança necessária. As transições que visam redução na emissão de GEE, devem incluir diferentes setores e contemplar as seguintes sugestões: implantação de tecnologias de baixas ou zero emissões; redução e mudanças na demanda através de projetos e acesso à infraestrutura; mudanças socioculturais e comportamentais; maior eficiência e adoção tecnológica; proteção social, serviços climáticos ou outros serviços; e proteção e restauração de ecossistemas. Apesar da importância da ação coordenada entre os diferentes setores da economia, a disponibilidade, viabilidade e potencial de mitigação e opções de adaptação a curto prazo diferem entre sistemas e regiões. O relatório traz um item específico sobre opções de mitigação e de adaptação por setor e, no âmbito dos sistemas alimentares inclui-se os itens: i) Terra, Oceano, Alimentação e Água; e ii) Saúde e Nutrição.

Terra, Oceano, Alimentação e Água

Diversas são as opções de agricultura, silvicultura e outros usos da terra que proporcionam adaptação e mitigação, além de benefícios que poderiam ser ampliados a curto prazo na maioria das regiões. A seguir é possível encontrar alguns dos pontos citados no relatório.

  • Conservação, melhor gerenciamento, e restauração de florestas e outros ecossistemas oferecem a maior parcela do potencial de mitigação econômica, com redução do desmatamento em regiões tropicais com o maior potencial de mitigação total.
  • A alta demanda por terras e a especulação fundiária podem gerar impactos negativos que requerem abordagens integradas para minimizá-los e para atender a múltiplos objetivos, incluindo a segurança alimentar.
  • Medidas pelo lado da demanda também são importantes, como a mudança para dietas saudáveis e sustentáveis e redução de perdas/resíduos de alimentos;
  • Intensificação agrícola sustentável que pode reduzir a conversão dos ecossistemas, e as emissões de metano e óxido nitroso, e liberar terras para reflorestamento e restauração de ecossistemas.
  • Uso de produtos agrícolas e florestais de fonte sustentável que podem ser utilizados em vez de produtos com maior intensidade de GEE.
  • Opções efetivas de adaptação, já citadas anteriormente, incluem melhorias de cultivar, agrofloresta, adaptação baseada na comunidade, diversificação agrícola e paisagística, e agricultura urbana.
  • No que concerne à manutenção da resiliência da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos o relatório afirma que a conservação, proteção e restauração de ecossistemas terrestres, ecossistemas de água doce, costeiros e oceânicos, juntamente com uma gestão orientada para se adaptar aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas reduz a vulnerabilidade da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos às mudanças climáticas, reduz a erosão costeira e as inundações, e poderia aumentar a absorção de carbono e armazenamento se o aquecimento global for limitado.
  • A reconstrução de pescarias sobre-exploradas ou esgotadas reduz os impactos negativos da mudança climática sobre a pesca e apoia a segurança alimentar, biodiversidade, saúde humana e bem-estar.
  • Ganha relevância a cooperação e decisão inclusiva, com os Povos Indígenas e comunidades locais, bem como o reconhecimento dos Povos Indígenas, enquanto parte integrante da adaptação e mitigação bem sucedida por meio das florestas e outros ecossistemas.

 

Saúde e Nutrição

A saúde humana se beneficiará de opções integradas de mitigação e adaptação que integram a saúde em alimentação, infra-estrutura, proteção social e políticas de água. Opções efetivas de adaptação existem para ajudar a proteger a saúde e o bem-estar humanos, incluindo: o fortalecimento dos programas de saúde pública relacionados com doenças sensíveis ao clima; aumento da resiliência dos sistemas de saúde; melhora na saúde dos ecossistemas; melhora do acesso à água potável; redução da exposição da água e dos sistemas de saneamento às inundações; melhora da vigilância e sistemas de alerta precoce; desenvolvimento de vacinas; melhoria do acesso à saúde mental; e Planos de Ação para a Saúde do Calor que incluem sistemas de alerta precoce e de resposta. Estratégias de adaptação que reduzam a perda e o desperdício de alimentos ou apoiem dietas saudáveis equilibradas e sustentáveis contribuem para a nutrição, saúde, biodiversidade e outros benefícios ambientais.

Finalmente, o relatório afirma que o alerta trazido no início deste texto demanda escolhas ambiciosas e disruptivas que implicam mudanças grandes e por vezes perturbadoras nas estruturas econômicas existentes, com consequências distributivas significativas dentro e entre países. Como a prioridade é acelerar a ação climática, as consequências adversas destas mudanças podem ser moderadas por reformas fiscais, financeiras, institucionais e regulamentares e pela integração das ações climáticas com as políticas macroeconômicas.

SPOILER

O relatório deixa bastante explicitado a relação entre segurança alimentar e segurança hídrica, uma vez que são diversos os momentos que a discussão sobre acesso à água e ao saneamento são essenciais para o bem-estar da humanidade e sua importância para a transição para sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis. Em breve lançaremos um conteúdo especial no blog do Instituto Comida do Amanhã sobre as águas, tratando do Dia Mundial da Água e Conferência da ONU sobre a Água.

 

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