O que é a COP 27? A Conferência das Partes […]
Escrito por Nathalia Figueiredo
em 08/11/2022 |
O que é a COP 27?
A Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é uma organização da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), da ONU, para criar soluções ágeis e eficazes e conter o avanço do colapso climático.
Neste ano, a 27ª edição da COP acontecerá no Egito em Sharm El Sheikh, de 6 a 18 de novembro, reunindo as 197 partes (países e instituições) que assinaram o compromisso.
A COP 27 está envolta em uma série de desafios atuais. O encontro irá refletir e propor compromissos e ações que respondam aos enormes desafios apresentados pelo 6º Assessment Report (AR6) lançado durante o ano de 2022 pelo IPCC. Desde que o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) foi fundado, em 1988, foram lançados 6 assessment report, com uma frequência mínima de 5 anos entre eles. Cada relatório desses traz uma robustez de dados, e o AR6 (que reuniu milhares de cientistas em todo o mundo) trouxe evidências sobre o estado do colapso climático, medidas necessárias de mitigação e impactos das mudanças climáticas e ações para adaptação. O relatório levou ainda em conta uma série de outras publicações lançadas nos últimos anos pelo IPCC – relatórios temáticos mais específicos – que trouxeram insumos para os resultados finais. Entre eles está o relatório de 2019 com foco em mudança climática e uso do solo. Nesse relatório foi apontada com uma forte base científica o impacto das mudanças climáticas nos sistemas alimentares e o impacto dos sistemas alimentares no total de emissões, sendo um dos maiores emissores (aproximadamente 30% do total de emissões globais).
Para além dos dados do AR6, a COP seguirá alinhada com as metas estabelecidas no Acordo de Paris, com a agenda de desenvolvimento sustentável (os 17 ODS) e demais acordos internacionais em curso.
O que essa COP tem de especial?
Por aqui seguimos sempre com atenção à relação entre as agendas de comida e clima. Esta COP tem um perfil especial porque, pela primeira vez, os sistemas alimentares terão destaque na programação. Isso acontece por conta das evidências cada vez mais claras sobre a relação entre a forma como produzimos e consumimos nossos alimentos e as mudanças climáticas, mas também por conta de um trabalho forte e articulado de diversas organizações que vêm tentando pautar essa relação e levá-la para o debate da COP – o lugar mais importante nas negociações internacionais para discutir e comprometer os governos a agir.
Pela primeira vez, dentro do espaço de negociações da COP existirão espaços inteiramente dedicados a debater sistemas alimentares e clima. Para além do Food System Pavilion, Food4Climate e Food and Agriculture Pavilion, integralmente dedicados à discussão entre comida e clima, outros pavilhões irão acolher eventos com esse foco. Alguns deles estão localizados na área de negociações, a blue zone e outros na área externa do evento, a área verde, a green zone (a gente até preparou um documento em pdf para você poder olhar toda a agenda de eventos que relacionam comida e clima nessa cop e que você pode baixar aqui).
Mas a presença da agenda dos sistemas alimentares é muito diversificada e temática. A discussão sobre a relação entre comida, clima e cidades estará muito alinhada com o processo que vem sendo trabalhado a partir da Declaração de Glasgow, uma declaração assinada por diversos municípios e conduzida na COP 26, em Glasgow. Se em 2021 em Glasgow o debate ficava restrito a poucos espaços, este ano a discussão ganhará muito mais relevância.
Existirão diversos debates com foco em apontar soluções para sistemas alimentares capazes de promover justiça social e sustentabilidade ambiental. A rede 50by40, por exemplo, levantará o debate sobre a necessidade de uma transição justa nos sistemas produtivos, que não deixe ninguém para trás. Serão ainda debatidos compromissos como o acordo que diversos países (inclusive o Brasil) assinaram em 2021 para a redução das suas emissões de metano, muito relacionadas com a produção pecuária intensiva. Diversas organizações debaterão sobre o papel central da agroecologia como modelo de produção justa, de alimentos saudáveis, de forma sustentável, bem como experiências de sistemas agroflorestais como forma de regenerar ecossistemas sem cessar produção de alimentos.
Mas no debate sobre sistemas alimentares e clima existem visões divergentes, por alguns estudos consideradas até antagônicas. No seu relatório “A Long Food Movement, Transforming Food Systems by 2045”, o IPES Food apontou os dois caminhos de transformação dos sistemas alimentares em curso – um deles, chamado de “business as usual”, defende que o caminho deve ser de uma sofisticação tecnológica, centralização de tomada de decisão e produção intensiva, de base industrial de alimentos para garantir maior eficiência nos sistemas produtivos – mais alimentos, usando menos recursos, otimizado a partir de dados e evidências e alto investimento em tecnologia de ponta. O outro caminho defende uma descentralização dos sistemas alimentares, focado em sistemas de base agroecológica, alinhados com conhecimento popular, com produção diversificada e alinhada com os ecossistemas e as culturas locais, centrada na luta pela soberania alimentar.
Na COP 27, ambas as perspectivas estarão representadas – em painéis organizados por algumas das instituições líderes em avançar cada uma das diferentes agendas.
Se por um lado existe consenso sobre a importância de transformar os sistemas alimentares, não existe sobre qual o melhor caminho para fazê-lo, e nessa mesa de discussão existe muito a ser debatido, muitos interesses em jogo por diversas partes interessadas. Os temas são muitos, o debate é extremamente desafiador, complexo e urgente. E por isso também essa COP tem um tom especial.
Se até então as COPs tinham sido principalmente centradas no debate da transição energética como forma de mitigar as mudanças climáticas, prevê-se que no Egito o olhar esteja forte sobre mecanismos de adaptação e que os sistemas alimentares ganhem protagonismo como nunca antes visto. O aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, a pandemia de Covid 19 e o conflito bélico entre Rússia e Ucrânia são alguns fatores que de forma dramática vieram desvendar a incapacidade dos sistemas alimentares de responderem aos desafios de hoje, a sua vulnerabilidade a choques e a necessidade de colocar no centro da mesa, junto com o debate sobre energia, a urgência de entender como produzir alimentos e principalmente, distribuir e acessar, de uma forma que simultaneamente respeite os limites planetários e seja capaz de erradicar a fome, respeitando as culturas locais.
Para a Mónica, diretora do Comida do Amanhã, a COP 27 representa um marco importante para a transformação dos sistemas alimentares
“É um passo importante e que deve ser efetivamente reconhecido. Garantir espaços na COP dedicados a debater a transformação dos sistemas alimentares é algo que surpreende não ter acontecido antes. As evidências não deixam espaço para dúvida: qualquer possibilidade ou expectativa de redução de emissões globais de CO2 equivalente, qualquer ação para limitar o aumento de temperatura média próximo da meta de 1,5º acima dos níveis pré-industriais, só pode ser efetiva se os sistemas alimentares estiverem no centro da mesa. No caso de países como o Brasil, a relação entre sistemas alimentares e clima é ainda mais dramática – por aqui, segundo dados do Observatório do Clima, os sistemas alimentares contribuem para aproximadamente 70% do total de emissões de Gases Efeito Estufa. A COP é um espaço importantíssimo para pautar essa correlação de forma inequívoca e fortalecer essa agenda.”
Outro pavilhão que vale a pena ficar de olho é o Brazil Climate Action Hub, criado em 2019 por diversas organizações da sociedade civil para dar visibilidade à ação climática brasileira. Nele será discutida a capacidade do Brasil de liderar a transição climática justa e como desenvolver e dar escala a soluções para a crise climática a partir do Sul Global.
A nossa participação na COP 27
Pela primeira vez estaremos participando de uma COP, e essa oportunidade nos enche de orgulho e responsabilidade. Participaremos de dois painéis, em modelo híbrido, ambos no Food4Climate Pavillion. Em um deles (dia 12) levaremos um pouco da experiência brasileira em sistemas alimentares e clima muito a partir do trabalho realizado com as cidades LUPPA.
No dia 12 de Novembro às 11h15 (horário de Brasília) estaremos participando de forma híbrida do evento organizado pelo IPES Food, HSI, 50by40 e ICLEI, “From local to global governance – Aligning action for sustainable food system transformation”. No painel, a Juliana Tângari, diretora do instituto e coordenadora geral do LUPPA (Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares) abordará os mecanismos existentes nas cidades integrantes do LUPPA como promotoras de políticas e programas alimentares participativos. O evento será transmitido ao vivo, com tradução para o português. Para assistir, inscreva-se aqui.
Levar para o principal espaço de debate climático uma agenda urbana é transformador e delineador da relevância do trabalho que os municípios podem fazer e seu impacto. Para a Juliana, “Uma COP que reconhece a relevância da transformação dos sistemas alimentares para conquistar metas que possam conter a emergência climática é um grande avanço nos últimos tempos. A questão tem sido fortemente debatida no âmbito internacional, principalmente desde 2019. Um outro grande ponto de alavancagem da pauta é reconhecer o papel das cidades e as ações que os diferentes níveis de governos podem fazer de forma coordenada para potencializar a mudança de hábitos alimentares e forma de produção de alimentos, para que consumo e produção sustentáveis estejam nas agendas nacionais a partir das experiências e das reivindicações das cidades.”
No dia 17 de Novembro, às 13h (horário de Brasília), nossa diretora Juliana, vai participar, de forma híbrida do evento organizado pela FOUR PAWS, Upfield e HSI, “EU Sustainable Food Systems Framework: what can we learn from dietary guidelines?” O painel reunirá representantes de sociedade, empresas e governos tanto dentro da União Européia, quanto de países que já empregam as melhores práticas, para discutir como a UE pode criar um sistema alimentar sustentável que funciona para todos. A inscrição para o painel pode ser feita aqui.
Pavilhões focados na discussão sobre alimentação
Durante o evento diversos painéis serão palco para discussões sobre sistemas alimentares e clima. Cada pavilhão tem seu website próprio e por lá é possível consultar suas agendas e identificar quais os eventos que serão transmitidos ao vivo. Preparamos uma agenda com os principais eventos de sistemas alimentares e clima na COP, que pode ser consultada aqui, mas abaixo fazemos uma síntese dos temas que irão reger os dois principais pavilhões – o Food Systems Pavillion e o Food4Climate Pavillion.
Food systems Pavillion
Durante os 11 dias, o espaço Food Systems Pavilion trará discussões sobre as grandes mudanças eficazes a serem realizadas a partir da compreensão de cada eixo dos sistemas alimentares e cada dia terá um eixo temático a ser trabalhado. A programação do pavilhão será transmitida no Youtube.
Serão eles:
6 de novembro – MELHORAR resiliência ao clima e choques
8 de novembro – PERMITIR uma cultura de dietas sustentáveis, saudáveis e nutritivas
9 de novembro – AUMENTAR o investimento sustentável e financiamento para construir sistemas alimentares
10 de novembro – ACELERAR a inovação e digitalização
11 de novembro – IMPULSIONAR a produção positiva da natureza e saúde do solo
12 de novembro – ESCALONAR a agricultura resistente ao clima
14 de novembro – ADOTAR água sustentável e diversidade alimentar aquática azul para sistemas alimentares inteligentes climáticos
15 de novembro – PROMOVER a ação da juventude nos sistemas alimentares
16 de novembro – PROTEGER e restaurar a natureza
17 de novembro – TRANSFORMAR cadeias de valor e desenvolver mercados inclusivos
Food4Climate
Outro espaço garantido para tratar dos sistemas alimentares durante a COP27 será o Food4Climate – que poderá ser acompanhado ao vivo. Nele também serão abordados assuntos relacionados à Comida e Clima com as seguintes temáticas.
A programação será:
8 de novembro – Vozes da juventude pela alimentação
9 de novembro – Agricultores e transição justa
10 de novembro – Inovação alimentar e diversificação de proteínas
11 de novembro – Agricultura animal, uso da terra e emissões
12 de novembro – Dia da adaptação e da agricultura (programa oficial da Presidência egípcia)
14 de novembro – Igualdade de gênero e empoderamento das mulheres nos sistemas alimentares
15 de novembro – Florestas, povos indígenas e comunidades locais
16 de novembro – Perda e Desperdício em Sistemas Alimentares
17 de novembro – Comida saudável para futuros saudáveis: nossos pratos e nosso planeta
18 de novembro – Segurança alimentar: uma questão urgente
É nesse espaço que será apresentado, no dia 12, a experiência do Laboratório de Políticas Alimentares Urbanas – LUPPA.
Food and Agriculture Pavillion
Pela primeira vez, na COP 27, existirá um pavilhão inteiramente dedicado a debater temas ligados à produção de alimentos, alinhada com as discussões climáticas. o Food and Agriculture Pavillion tem como anfitriões a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o CGIAR e a fundação Rockefeller. É a primeira vez que esse pavilhão é montado na COP, dentro da área de negociações (área azul – blue zone). Segundo a FAO o pavilhão “ irá trazer líderes comunitários junto com parceiros de governos, filantropia, juventude e universidades. O objetivo é avançar um conhecimento compartilhado sobre os desafios mais urgentes na alimentação e agricultura que as pessoas e o planeta enfrentam hoje, e compartilhar conhecimento e soluções inovadoras”.
Comida e Clima no Comida do Amanhã
No Comida do Amanhã vimos trazendo a reflexão da relação entre comida e clima para o debate brasileiro há alguns anos.
Entre as diversas atividades já realizadas pelo Instituto e para realçar a relação direta da alimentação com as mudanças climáticas, por exemplo, vale destacar o lançamento no Brasil do Relatório “Comida, Saúde, Planeta” produzido pela Comissão EAT-Lancet em 2019, e que contou com a participação de especialistas brasileiros, chefs, universidade, organizações e movimentos sociais. Temos no nosso site o sumário executivo deste estudo, traduzido para português, fruto de um trabalho realizado em parceria com a UNIRIO.
Ao longo de 2021 realizamos uma série de diálogos independentes no contexto da primeira cúpula dos sistemas alimentares das nações unidas. Um desses debates foi focado em na justiça e sustentabilidade nos sistemas produtivos e no seu acesso às cadeias de distribuição, realizado em parceria com o WWF Brasil, onde reunimos dezenas de especialistas, produtores, e demais representantes da sociedade civil para debater possibilidades de produzir e comercializar alimentos saudáveis, de sistemas sustentáveis. Os resultados desse diálogo estáo disponíveis para baixar aqui.
Ainda em 2021 fizemos parte do grupo de organizações que compuseram o comitê de parceiros da Declaração de Glasgow sobre alimentação e clima, e fizemos o seu lançamento durante um encontro alinhado com o LUPPA – no LUPPA web 2, disponível aqui.
A relação entre comida e clima é transversal ao nosso trabalho, e aparece em diversas de nossas ações e projetos.
Ela é fundamental dentro do trabalho que realizamos no LUPPA que você já deve conhecer – o Laboratório de Políticas Alimentares Urbanas – e que está iniciando a segunda edição. O laboratório – que conta com a correalização do ICLEI América do Sul – permite que as cidades brasileiras sejam protagonistas da produção de impactos positivos nos sistemas alimentares. Colocamos as cidades como protagonistas na transformação dos sistemas alimentares, demonstrando como a ação local pode e deve, efetivamente, estar alinhada com os desafios globais. Trabalhamos junto com as cidades LUPPA diversos temas correlatos aos sistemas alimentares urbanos, com destaque para a importância do desenvolvimento de sistemas alimentares urbanos circulares. Essa abordagem costura de forma definitiva a agenda de cidades, comida e clima, numa abordagem integrada e multisetorial. O avanço da agenda alimentar urbana precisa estar alinhada com a agenda de desenvolvimento sustentável, como preconizado por diversas redes e pactos internacionais como o Pacto de Milão sobre Políticas Públicas Alimentares, o Marco da FAO para a Agenda Alimentar Urbana e a própria Declaração de Glasgow, que mencionamos antes neste texto.
Para existir impacto real na agenda climática, é importante que o tema seja trabalhado de forma permanente e integrada. Não temos mais tempo para adiar nossas ações, a agenda 2030 está em contagem decrescente para o seu limite e estamos longe demais de cumprir nossos compromissos. Para a Francine, nossa diretora, “a alimentação pode ser uma poderosa alavanca para a mitigação das mudanças climáticas. Para dar conta da complexidade do desafio, precisa ser abordada de forma sistêmica, com governança inclusiva , foco nas dinâmicas territoriais e na justiça socioambiental.” e por isso mesmo, o tema ganha cada vez mais relevância junto a todos os que lutam pela transformação dos sistemas alimentares. ”
E é com esse pensamento e esse compromisso que estaremos participando da COP 27.
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1 A Declaração de Glasgow, assinada em 2021 durante a COP26, reúne cidades, territórios, estados, distritos, províncias, organizações não governamentais, redes e associações que dividem-se entre signatárias e parceiras. O documento, elaborado pelo IPES-Food, apresenta propostas para para guiar governos locais, a partir de iniciativas ligadas aos sistemas alimentares, a agir frente às mudanças climáticas. O Instituto Comida do Amanhã é parceiro do movimento da Declaração de Glasgow.