Em um trabalho liderado por Folberth e publicado na Nature […]
Escrito por Nathalia Figueiredo
em 29/04/2021 |
Em um trabalho liderado por Folberth e publicado na Nature Sustainability, foi simulado um cenário onde a produção de alimentos foi determinada de acordo com o potencial regional. Os autores mostraram que desta forma seria possível usarmos entre 52 e 62% da área usada pela agricultura para mantermos a mesma quantidade de alimentos produzidos.
Grande parte da área agrícola brasileira é usada para a produção de soja (36 dos quase 80 milhões de hectares na safra de 2019/2020), uma planta de origem asiática que teve o seu potencial produtivo adaptado às condições locais. Além disso, estima-se que mais da metade da área de pastagem brasileira encontra-se degradada, ou seja, produzindo abaixo do seu potencial. Se outras culturas fossem produzidas em áreas menos aptas à produção de soja, pastos ou outra das grandes culturas agrícolas, por exemplo, a agricultura conseguiria manter sua produção e ainda assim usaria menos terra.
Concentrar as mesmas espécies de plantas em uma determinada área aumenta os riscos de doenças que põem em risco toda a população de plantas. Portanto, a utilização do potencial regional não necessariamente significa usar as áreas de uma região para apenas uma única cultura, isso deve ser desenvolvido de maneira estratégica para evitar efeitos adversos relacionados a áreas com pouca diversidade de plantas, como aconteceu quando a doença chamada vassoura de bruxa devastou a produção de cacau na Bahia.
Diversificar a produção alimentícia de forma planejada, usando os produtos locais, pode levar cada região a valorizar o potencial natural e reduzir sua dependência de produtos externos. Além disso, uma redução para 62% da área agrícola atual permitiria a recuperação de uma grande parte de áreas florestais que foi convertida em agricultura ao longo do tempo, mostrando que além de não ser mais necessário a conversão de áreas nativas para a agricultura é possível pensarmos em restauração de áreas anteriormente desmatadas.
O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de frutas e hortaliças. Não muito diferente da produção agrícola em geral, a produção de frutas e hortaliças também se concentra em apenas seis espécies – alface, batata, cebola, cenoura, melancia e tomate – segundo a Embrapa Frutas e Hortaliças. Porém, o Brasil tem uma diversidade enorme de plantas frutíferas que podem ser exploradas em várias regiões do país. Espécies como cajá, cambuci, cambucá, grumixama, guaraná, juçara, murici, pitanga, umbu, entre outras, as quais apresentam potencial de produção em diversas regiões do país e algumas já tiveram casos de sucesso que podem ser vistos no site da Embrapa Frutas e Hortaliças, em um artigo da agência USP e outras iniciativas como a Juçaí.
A diversidade também pode ser a saída quando se trata da produção de alimentos de forma sustentável. As nossas escolhas de quais alimentos e onde compramos podem ter um impacto maior do que imaginamos. Comprar produtos típicos da sua região e de produtores locais pode impactar a forma como a terra dessa região é usada, podendo estimular a produção de alimentos que tenham evoluído sob tais condições e tenham vantagens sobre as grandes culturas para pequenos produtores e consequentemente deixando de usar parte da terra para fins agrícolas convencionais e restaurando a vegetação natural da região.
O trabalho conjunto de pesquisadores para viabilizar o uso de espécies nativas hoje pouco cultivadas e comparar os impactos ambientais que essa produção tem em relação aos outros usos da terra, combinado com o incentivo público e as nossas decisões pelos alimentos que compramos tem um papel importante no sucesso da diversificação da área plantada do Brasil. Os dois primeiros fatores são avanços graduais e que não necessariamente andam juntos ao ritmo imposto pelas demandas da sociedade. Portanto, a escolha dos alimentos que comemos hoje pode ser um grande fator de mudança que tem impactos locais e pode ir muito além disso como um incentivo para reduzir os impactos da agricultura nas mudanças climáticas globais.
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Sobre o autor:
Lucas P. Canisares possui formação em Engenharia Agronômica pela ESALQ/USP e atualmente está desenvolvendo o seu doutorado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Durante o doutorado, Lucas recebeu uma bolsa para fazer um período sanduíche no Lawrence Berkeley National Laboratory e é pesquisador visitante na Universidade do Kentucky. A área de foco dos estudos do Lucas é a fertilidade do solo e emissões de gases de efeito estufa, buscando entender os ciclos biogeoquímicos do C e N para propor alternativas de mitigação das emissões de gases de efeito estufa relacionadas à produção de alimentos.