Neste mês de junho, a Organização das Nações Unidas para […]

Lançamento do relatório The Status of Women in Agrifood Systems

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 29/06/2023 |

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Neste mês de junho, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançou o relatório intitulado The Status of Women in Agrifood Systems (O Estado das Mulheres nos Sistemas Agroalimentares). O relatório busca apresentar um panorama completo da participação, dos benefícios e dos desafios enfrentados pelas mulheres que trabalham em sistemas agroalimentares em todo o mundo.

O relatório discute em seu cerne que os sistemas agroalimentares são um dos principais empregadores de mulheres em todo o mundo e constituem uma fonte de subsistência mais importante para as mulheres do que para os homens em muitos países. No entanto, mesmo com esta situação, as desigualdades de gênero são claras em aspectos como remuneração, qualidade do trabalho, regulações, acesso a bens, serviços e até mesmo à tecnologia, entre outros. A seguir vamos explorar com mais detalhes os principais pontos destacados no relatório.

Trabalho das mulheres em sistemas agroalimentares

Fato importante constatado é que os sistemas agroalimentares são uma fonte de subsistência mais importante para as mulheres do que para os homens em muitos países, além de serem uma fonte importante de emprego para as mulheres jovens, especialmente as de 15 a 24 anos.

Em geral, as mulheres são responsáveis por uma parcela maior do emprego agrícola em países e localidades com desenvolvimento econômico mais baixos, devido especialmente à educação inadequada, ao acesso limitado à infraestrutura básica e aos mercados, à alta carga de trabalho não remunerado e às poucas oportunidades de emprego rural fora da agricultura. É observada também uma desvantagem tanto na produtividade das propriedades agrícolas administradas por mulheres quanto nos empregos assalariados na agricultura.

Acesso das mulheres a bens, serviços e recursos

O acesso das mulheres a ativos e recursos essenciais para os sistemas agroalimentares – como terra, insumos, serviços, finanças e tecnologia digital – continua a ficar atrás do acesso dos homens. As diferenças diretamente relacionadas à produção agrícola continuam substanciais. Entretanto, as desigualdades de gênero em educação, finanças e tecnologia da informação e comunicação, que são particularmente importantes para o desenvolvimento de negócios fora das propriedades agrícolas e oportunidades de emprego em sistemas agroalimentares, estão diminuindo mais rapidamente.

Ademais, o progresso tem sido lento na redução das desigualdades no acesso das mulheres à irrigação e na propriedade de animais. Em média, os homens possuem mais animais do que as mulheres e têm maior probabilidade do que elas de possuir animais de grande porte, como gado. Além disso, as mulheres que trabalham na agricultura ainda têm muito menos acesso do que os homens a insumos, incluindo sementes melhoradas, fertilizantes, equipamentos mecanizados e também acesso à Internet móvel.

Agência, normas e políticas

As normas sociais e as regulações dos sistemas agroalimentares criam por si só desequilíbrios de poder entre homens e mulheres e acabam por limitar as opções de trabalho disponíveis para as mulheres, que geralmente estão mais envolvidas em cuidados não remunerados e trabalho doméstico. Essas normas geralmente restringem não só as opções de trabalho não doméstico e atividades de mercado, mas também seu acesso e controle sobre os ativos e a renda.

Avanços significativos na medição do empoderamento das mulheres nos sistemas agroalimentares na última década mostram que este empoderamento tem um impacto positivo sobre a produção agrícola, a segurança alimentar, as dietas e a nutrição infantil. Discutir a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres significa, portanto, abordar as normas sociais restritivas e os papéis rígidos de gênero que afetam a forma como as mulheres participam dos sistemas agroalimentares.

Apesar do fato de que mundialmente as políticas nacionais têm melhorado a abordagem de gênero na última década, das políticas agrícolas analisadas neste relatório, mais de 75% reconhecem os papéis e/ou desafios das mulheres na agricultura, no entanto apenas 19% tinham a igualdade de gênero na agricultura ou os direitos das mulheres como objetivos explícitos e apenas 13% incentivavam a participação das mulheres rurais nas tomadas de decisões destas políticas.

Resiliência e adaptação a crises e extremos climáticos

Os mecanismos de enfrentamento e a resiliência a crises e fatores de estresse são moldados pelas desigualdades de gênero. Os extremos climáticos, as crises e conflitos violentos têm um grande impacto sobre os meios de subsistência das mulheres nos sistemas agroalimentares, e essas crises são múltiplas e muitas vezes se sobrepõem.

No que concerne aos eventos climáticos extremos e desastres naturais, as mulheres geralmente são mais sensíveis do que os homens e têm uma capacidade de resiliência diferente. Embora as mulheres não estejam inerentemente mais expostas a riscos relacionados às mudanças climáticas, as restrições de recursos podem torná-las mais sensíveis aos seus efeitos e menos capazes de se adaptar a elas, aumentando sua vulnerabilidade. As mulheres também são frequentemente sub-representadas na tomada de decisões sobre políticas climáticas em todos os níveis.

Como avançar na equidade de gênero nos sistemas agroalimentares

Baseado nos aspectos trazidos anteriormente, o relatório busca apresentar boas práticas e orientações de como incluir as questões de gênero nas políticas alimentares e rurais. São citados três elementos fundamentais.

O primeiro é a coleta e o uso de dados de alta qualidade, desagregados por sexo, idade e outras formas de diferenciação social e econômica, e a implementação de pesquisas qualitativas e quantitativas rigorosas sobre gênero com o intuto de monitorar, avaliar e acelerar o progresso da igualdade de gênero nos sistemas agroalimentares.

Em segundo lugar, as intervenções localizadas que abordam múltiplas desigualdades que comprovadamente reduzem as desigualdades de gênero e empoderam as mulheres nos sistemas agroalimentares devem ser cuidadosamente ampliadas, levando em consideração o contexto local. Ainda neste item é importante destacar a importância de que as ações transformadoras nas questões de gênero atinjam escala por meio da influência dos governos, das organizações internacionais, das organizações da sociedade civil e do setor privado.

Por fim, as intervenções devem ser projetadas para eliminar as desigualdades de gênero e empoderar as mulheres. Ambos aspectos devem ser levados em consideração com o intuito de que as intervenções reduzam as diferenças de gênero nos sistemas agroalimentares e produzam melhorias positivas e duradouras no bem-estar das mulheres quando integram ações explícitas para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

Assim, é possível dizer que este relatório reflete não apenas sobre como a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres são fundamentais para a transição rumo a sistemas agroalimentares sustentáveis e resilientes, mas também sobre como a transformação dos sistemas agroalimentares pode contribuir para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

O levantamento fornece uma análise abrangente das evidências disponíveis sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres nos sistemas agroalimentares que foram produzidas na última década. Além de oferecer aos formuladores de políticas e aos agentes de desenvolvimento uma análise ampla do que funcionou, destacando a importância de abordagens transformadoras de gênero que tratem com cautela das questões estruturais que mantém as desigualdades de gênero ainda tão presentes nos sistemas agroalimentares.

Foto: Prefeitura Municipal de Anchieta – SC

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