1. A agenda. Fome, diferentes níveis de insegurança alimentar, má […]

Explicando a Reunião de Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares 2021.

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 15/04/2021 |

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1. A agenda.

Fome, diferentes níveis de insegurança alimentar, má nutrição, sobrepeso, obesidade, doenças crônicas não transmissíveis, desigualdades sociais, desperdício alimentar, destruição do meio ambiente e aquecimento global: as formas como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos atualmente têm diversos impactos negativos para a vida no planeta como um todo, o que também significa que transformar nosso sistema alimentar seria a forma mais abrangente de abordar todas estas questões e alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, definidos pelas Nações Unidas em 2015 com metas a serem alcançadas até 2030 (“Agenda 2030”).

Reconhecendo esta transformação como parte crucial para o cumprimento da Agenda 2030, António Guterres (atual Secretário Geral da ONU) anunciou no Dia Mundial da Alimentação (16/10/2019) a criação de uma Reunião de Cúpula dos Sistemas Alimentares, que ocorrerá em setembro de 2021 em Nova York. O anúncio ocorreu após debates entre a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP) no Fórum Político entre Especialistas de Alto Nível (HLPF) de 2019.

O que é uma Reunião de Cúpula da ONU?

Uma “Reunião de Cúpula” consiste no encontro entre altas autoridades de vários países para discutir e apresentar propostas sobre um determinado tema às Nações Unidas. A ONU realiza diversas Reuniões de Cúpula ao longo dos anos sobre diferentes tópicos importantes para a sociedade como clima, biodiversidade, mudança climática, educação, infância, religião, migração, transporte, entre outros.

O objetivo das reuniões é unir representantes dos países membros a outros setores interessados (sociedade civil, setor privado, entre outros) para levantar questões relevantes e propor soluções, visando o desenvolvimento sustentável.

O que é o Sistema Alimentar?

Para fins desta Cúpula, o termo “sistema alimentar” engloba todos os indivíduos e processos envolvidos na produção, abastecimento, distribuição e consumo de alimentos, de agricultores a consumidores, passando por caixas de supermercado e esteiras de produção até as instalações de compostagem de bairro. Bilhões de pessoas dependem ou estão diretamente ligadas às mais diversas etapas da cadeia de produção alimentar e as suas diferentes visões precisam ser consideradas para desenhar uma transformação. A saúde do sistema alimentar impacta a saúde das pessoas e do planeta, da economia e de nossas culturas e quando alinhadas, podem produzir impactos benéficos para todos.

Quais resultados são esperados da Cúpula de Sistemas Alimentares?

Segundo o portal oficial da ONU, a Cúpula espera alcançar os seguintes principais resultados, agindo de acordo com princípios orientadores:

Identificar soluções e pressionar a tomada de ação por líderes e demais integrantes do sistema alimentar, governos nacionais e locais, empresas e cidadãos, de modo a gerar ações significativas e progressos que possam ser mensurados de alguma forma.

Propagar a conscientização e promover a discussão pública na sociedade sobre a importância de transformar os sistemas alimentares.

Desenvolver princípios orientadores que guiem as ações de forma a apoiar a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para que governos e todas as partes interessadas compreendam a alimentação como fundamental para a construção de um mundo mais sustentável.

Criar um sistema de acompanhamento e revisão para medir e analisar o impacto da Reunião de Cúpula, trocar experiências, lições, conhecimentos e continuar a impulsionar novas ações e avanços.

Clicando aqui você pode conferir todos os relatórios e estudos publicados pelos diversos participantes da Reunião de Cúpula até agora, que constitui alguns dos documentos preparatórios para o encontro, incluindo as definições de “Sistemas Alimentares” e “Dietas Saudáveis” publicadas recentemente pelo grupo científico.

 

2. Processo e governança.

Para alcançar os objetivos acima, o processo de construção da Cúpula foi estruturado em algumas frentes.

Veremos na segunda parte deste texto que esse processo foi e continua sendo objeto de diversas críticas internacionalmente. A liderança da cúpula vem tentando responder a grande parte das controvérsias e incorporando algumas das sugestões no decorrer do processo. Os contrapontos apresentados seguem em discussão, e o movimento provocado tem permitido mudanças no caminho trilhado até setembro.

Organização temática – Action Tracks

A organização da Cúpula começou pela definição de Vias de Ação (Action Tracks), alinhadas com os objetivos centrais da Cúpula – uma divisão temática para os trabalhos que estão sendo realizados com o objetivo de gerar propostas que serão analisadas na reunião da Cúpula. Cada Action Track é discutido dentro de um grupo de trabalho, que coordena o processo público de colheita de sugestões e engajamento – seja com a sociedade civil e pesquisadores, seja com Estados Membros da ONU – e é co-liderado por organizações externas e internas ao Sistema ONU.

Cada Action Track tem como objetivo mapear soluções capazes de mudar o cenário do seu tema específico (as chamadas “game changing solutions”). Os “game changers” são aqueles que podem implementar essas mudanças – atores dos sistemas alimentares que possam mudar as regras dos sistemas alimentares (alterar as configurações existentes, permitindo que novas ações impactantes sejam geradas e escalonadas) ou a forma como lidamos com as regras existentes (otimiza os resultados nas configurações atuais), que cada action track busca encontrar.

 

Conheça as 5 Action Tracks (AT):

 

AT 1: Garantir alimentos suficientes, nutritivos e seguros para todos para atingir o objetivo de Fome Zero:

que todas as pessoas, em todos os momentos possam se alimentar adequadamente, buscando reduzir as desigualdades no acesso à alimentação através do aumento da disponibilidade de alimentos nutritivos.

 

Co-liderança: Lawrence Haddad (GAIN) e FAO (Food And Agriculture Organization – ONU).

 

AT 2: Transição para hábitos de consumo saudáveis e sustentáveis:

promover mudanças de hábitos de consumo que aumentem a demanda por alimentos produzidos de forma sustentável (que necessitem de menos recursos para sua produção e transporte), em cadeias locais, reduzindo o desperdício e aprimorando a nutrição dos mais vulneráveis.

 

Co-liderança: Gunhild Stordalen EAT Forum e WHO (World Health Organization – ONU).

 

 

AT 3:Impulsionar a produção “nature-positive” em larga escala:

otimizar a utilização de recursos em toda a cadeia alimentar, buscando soluções de ponta a ponta que permitam reduzir emissões de carbono, limitando suas contribuições para a mudança climática; promover a restauração e proteção de ecossistemas críticos e conservar a biodiversidade, proteger água e terra, reduzir desperdício alimentar e uso de energia. Esta trilha de ação também trabalhará para aumentar a compreensão dos desafios e oportunidades relacionadas às atividades de pequenos agricultores e pequenas empresas ao longo da cadeia de valor alimentar.

 

Co-liderança: João Campari WWF (World Wide Fund for Nature) e UNCCD (United Nations Convention to Combat Desertification – ONU).

 

 

AT 4: Meios de subsistência equivalentes e distribuição de renda:

promover a eliminação da pobreza através da criação de empregos plenos e produtivos para todos os atores ao longo da cadeia alimentar, possibilitando o empreendedorismo e enfrentando a desigualdade no acesso e na distribuição de recursos, de modo que ninguém seja deixado para trás.

 

Co-liderança: Michelle Nunn (CARE) e IFAD (International Fund for Agricultural Development – ONU).

 

 

AT 5: Construir resiliência a vulnerabilidades, choques e tensões:

garantir que os sistemas alimentares continuem funcionando em áreas propensas a conflitos e/ou desastres naturais; promover uma ação global para proteger a segurança alimentar da população contra os impactos das pandemias, como a atual pandemia de coronavírus – de forma a que todas as pessoas possam recuperar de instabilidade e garantir acesso à alimentação.

 

Co-liderança: Dr. Saleemul Huq ICCCAD (International Centre for Climate Change and Development) e WFP (World Food Programme – ONU).

 

Clique aqui para consultar todos os relatórios e fóruns públicos de cada Action Track.

Governança:

A governança das propostas da Cúpula é dividida em quatro estruturas principais:

1. A Representante ou Enviada Especial (Special Envoy) nomeada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas para a Cúpula:

A Representante Especial escolhida por António Guterres foi Agnes Kalibata, cuja função na Cúpula consiste em liderar, divulgar, direcionar e orientar os principais líderes e integrantes da Cúpula, promovendo cooperação entre os participantes a fim de tornar a Reunião um catalisador da Década de Ação para que os países membro das Nações Unidas atinjam os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris, através da transformação dos sistemas alimentares.

 

Agnes Kalibata cresceu em um campo de refugiados em Uganda e atuou como Ministra da Agricultura e Recursos Animais de Ruanda entre 2008 e 2014, possuindo diversos prêmios e reconhecimento internacional pelo seu trabalho de combate à insegurança alimentar em Ruanda. Desde 2014 é Presidente da Aliança por uma Revolução Verde na África (AGRA), instituição financiada pela organização Bill e Melinda Gates, título responsável por diversas críticas (principalmente por organizações da sociedade civil e de pequenos produtores) à sua nomeação para a liderança da Cúpula.

2. O Comitê Assessor de Múltiplas Partes Interessadas, com membros externos e internos do Sistema ONU;

O Comitê Consultivo é responsável por fornecer orientação estratégica e feedback sobre o desenvolvimento e implementação da Cúpula. É presidido pela Secretária-Geral Adjunta da ONU, Amina Mohammed, e constituído por representantes dos Estados-Membros, integrantes de agências relacionadas da ONU, outras organizações internacionais e especialistas individuais como agricultores, povos indígenas, sociedade civil, pesquisadores, acadêmicos, organizações relacionadas à juventude e líderes empresariais.

3. O Grupo Científico independente, com o objetivo de pesquisar evidências que embasarão as recomendações da Cúpula;

O Grupo Científico é presidido por Joachim Von Braun (Diretor do Centro de Pesquisas em Desenvolvimento da Universidade de Bonn) e reúne pesquisadores e cientistas independentes de todo o mundo, que apresentam liderança nos temas relacionados aos sistemas alimentares. Seus membros são responsáveis ​​por garantir embasamento científico independente para sustentar a Cúpula, suas ações e resultados.

4. A Força Tarefa da ONU.

A Força-Tarefa é responsável por garantir um envolvimento estratégico e coordenado do Sistema das Nações Unidas. Presidido pelo Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, que representa a Força-Tarefa no Comitê Consultivo da Cúpula, tem a responsabilidade de integrar programas, ferramentas, iniciativas e produção científica das agências da ONU em torno do Summit.

Estruturas de apoio e participação – Rede de “Champions” e os diálogos intersetoriais

 

Como estrutura de apoio à Cúpula, foi criada a Rede de Líderes (champions) – globais ou locais – de atuação reconhecida e grande influência nos sistemas alimentares (Champions Network). Foram designados inicialmente 60 “Champions”, número que irá crescer ao longo do tempo com a incorporação de novos líderes (atualmente são 77 Champions). Trata-se de pessoas-chave nas suas áreas de atuação e comunidades que poderão advogar por sistemas alimentares mais resilientes e sustentáveis, mobilizar suas redes e comunidades e alimentar os debates, construção e definição da Cúpula.

Os “Champions” possuem históricos de atuação na transformação dos sistemas alimentares, representando grupos específicos – comunidades indígenas, agricultores, etc – ou trazendo profundo conhecimento em áreas fundamentais para os sistemas alimentares – política pública, pesquisa e conhecimento, tecnologia, nutrição, negócios e setor privado, saúde, mudanças climáticas, entre outros.

Um dos escolhidos para o grupo inicial foi José Graziano da Silva, ex-diretor geral da FAO, atualmente Senior Advisor do Instituto Comida do Amanhã e Diretor Geral do Instituto Fome Zero, com experiência de destaque em sistemas alimentares e seus desafios.

Os Diálogos Intersetoriais:

O processo de construção da Cúpula vem contando com um aumento na realização de consultas públicas. Além das reuniões públicas das diferentes estruturas e grupos de trabalho da cúpula, foi criado um espaço de fóruns públicos para o desenvolvimento de uma comunidade de sistemas alimentares, além de uma rede de engajamento para atores do público em geral que desejem se envolver e promover os princípios da Cúpula na sua comunidade (Food Systems Heroes).

Outro mecanismo da Cúpula para ampliar a inclusão do processo é a promoção de Diálogos (Food Systems Summit Dialogues – Diálogos para a Cúpula de Sistemas Alimentares): eventos a serem realizados ao redor do mundo, para reunir e chamar ao debate diversas partes interessadas, inclusive aquelas que muitas vezes não são ouvidas. São diálogos intersetoriais, com o propósito de garantir o maior número possível de engajamento dos múltiplos atores dos sistemas alimentares, através de abordagem que permite a interlocução e a colaboração, para que esses atores possam combinar seus conhecimentos e endereçar os desafios dos sistemas alimentares.

Existem três tipos de diálogos:

os Diálogos dos Estados Membros (organizadas pelos governos nacionais);

Diálogos Globais (alinhados aos eventos globais sobre temas afins à alimentação, como clima, saúde, economia, água, etc);

Diálogos Independentes (organizados por qualquer indivíduo ou organização com interesse e atuação em sistemas alimentares)

“Os Diálogos Independentes são conduzidos ao nível local e são adaptáveis a vários contextos, convocados por indivíduos ou organizações, independentemente das autoridades nacionais, mas com a oportunidade de se ligar formalmente ao processo da Cúpula através de um mecanismo oficial de resposta. São projetados para oferecer respostas construtivas e informadas, para utilização na preparação da Cúpula. Também oferecem informações valiosas para moldar percursos para sistemas alimentares sustentáveis até 2030: serão úteis após a Cúpula.”

Cada diálogo produz o seu relatório de síntese, com identificação de desafios e propostas de ação – estes relatórios e propostas serão sistematizados pelo secretariado da Cúpula e serão levados pela Representante Especial para a reunião de pré-Cúpula no próximo mês de julho, em Roma.

Clique aqui para conferir o mapa com todos os diálogos passados e que ainda ocorrerão.

A Pré Cúpula em Roma.

 

As Nações Unidas e o governo Italiano anunciaram uma reunião pré-Cúpula que ocorrerá em Roma em formato híbrido (alguns integrantes participarão presencialmente e outros participarão virtualmente), entre os dias 19 e 21 de junho de 2021. O evento reunirá jovens, pequenos agricultores, povos indígenas, pesquisadores, setor privado, líderes de políticas e ministros da agricultura, meio ambiente, saúde e finanças, entre outros, objetivando levantar dados científicos recentes para lançar um conjunto de novos compromissos, financiamentos e parcerias. O governo da Itália se compromete através do evento a aumentar as ambições da Cúpula e ser exemplo para outros governos, principalmente de países integrantes do G20.

O que comemos muda o mundo.

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