Eu, que normalmente me preocupo com alimentação, fico analisando o […]

Cutucando a ferida da carne fraca

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 23/03/2017 |

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Eu, que normalmente me preocupo com alimentação, fico analisando o meu feed de notícias das redes sociais e fico sabendo das novidades pelos portais de informação que também estão alinhados com essas perspectivas: permacultura, agroecologia, alimentos orgânicos, culinária, desperdício de alimentos etc. Tenho consciência de quais amigos e amigas nas redes estão também engajados e com qual causa. Mas aí, de repente, começo ver várias pessoas, que normalmente não se pronunciam com respeito àquilo que comem, compartilhando uma notícia que tem revirado o estômago do Brasil inteiro: a operação Carne Fraca.

E é assim porque atingiram o coração do brasileiro. Aliás, esses corações foram atravessados por um enorme espeto, para sermos mais literais. O país é um grande produtor, exportador e consumidor de carne. A carne aqui é um alimento sagrado, intocável, ritual do fogo, de reunião, de confraternização. Eu acredito que o cidadão se sentiu traído no nível mais pessoal possível, na esfera mais íntima. É como se mexessem na cerveja ou no futebol, pois teria xilique garantido – bem ao contrário do efeito de mexer nos direitos trabalhistas, mas isso merece um artigo à parte.

Tive vários pensamentos a respeito. Por um lado, é bom que o sistema comece a se sentir atacado e cada vez mais casos de corrupção e fraude venham à tona para discussão pública, trazendo novos debates. Por outro, ainda relacionado com o anterior, é uma pena que o cidadão nunca se questione sobre muitas questões que lhe afetam diretamente e quando estes casos emergem causam essa sensação de desilusão, traição e decepção.

Começou o debate aberto nas redes. Parecia que em poucos segundos, a notícia tinha viralizado. Realmente, brincar de corrupção com o alimento é também brincar com a saúde pública. Estamos falando de um problema gravíssimo. Depois, a notícia já virou até piada de como é que a população ainda continua viva ou com saúde. Mas, afinal, esta história surpreende por quê? Acredito que para os engajados, isso não surpreende mais. Para os desinformados, deu um baque. O sistema já vem dando claros sinais que está agindo na beira do que é legal e o que é lícito. A mesma máquina do agronegócio, que alimenta e lucra com bois, é a mesma que cultiva o combo semente transgênica + agrotóxico. Que queima florestas da amazônia para cultivar a ração dos mesmos bois. Pensemos no sistema como um todo.

E aí me veio mais um pensamento na mente: por que não nos preocupamos também com a qualidade, a higiene e a segurança dos legumes, das frutas, das leguminosas, dos cereais, dos ovos, dos laticínios? Por que o debate sobre agrotóxicos não tem tanto engajamento? É legal ser envenenado por um lado, mas não pelo outro? Carne podre mascarada com ácido ascórbico dá mais nojo do que produto químico na sua salada. É uma questão visceral. É óbvio que um sistema que lida com os animais como forma de lucro vai lhe dar o pior tratamento possível, às custas de obter o máximo benefício. Tanto enquanto o animal ainda está vivo (maus tratos) como quando já está morto (mascarar, inchar, disfarçar, misturar, aproveitar). Com o resto dos alimentos acontece a mesma coisa. Os cultivos são modificados de forma a se obter um rendimento maior. Fala-se, então, do monopólio das sementes e das monoculturas, que nos levam a consumir pesticidas que, por sua vez, podem ser responsáveis por muitas doenças crônicas.

Graças ao post publicado hoje por Simone G. De Lima, consegui entender melhor a operação carne fraca. Somente possível vindo de alguém que leu as 353 páginas do relatório. O escândalo da carne fraca teve vários itens e um deles foi divulgado de forma equivocada: o tal do ácido ascórbico não é cancerígeno, ele já é usado normalmente como conservante. A reviravolta é usar carne podre.

Carne de animais que morreram no transporte antes de chegar ao abatedouro, proibida de se usar por normas sanitárias. Essa é mais uma conseqüência cruel do sistema econômico no qual vivemos. Sobre cancerígenos, a carne processada já é um cancerígeno. Não precisa misturar com mais nada.

Outra desinformação que não se sabe como chegou aos meios de comunicação, mas que não aparece no relatório, é o papelão no frango. O que se fazia com o frango era injetar água para ele pesar mais e aparecer inchado.

Alguns, desesperados depois do ocorrido, vêm procurar alternativas e soluções. Isto, com certeza, vai trazer mais uma reflexão para a população para se pensar o quê comemos, como nos alimentamos, e para se informar bem e ao fazer escolhas. Uma menina veio hoje me perguntar, toda perdida, onde podia encontrar alternativas para a carne e o frango, e se o peixe também entrava na mesma categoria. Amigos, meu conselho é: seja animal ou vegetal, compre itens que tem cara de comida. Que são inteiros e não são uma parte. O menos industrializado possível. Compre alimentos que seus avós comprariam. E se ainda quiser aprimorar mais: tente contribuir com produtores locais, conheça-os, pergunte de onde vem a matéria prima, Com o quê se alimentou, como foi produzido. Tente, na medida do possível, consumir orgânicos. E se ainda puder fazer mais, plante sua horta e/ou colabore com uma horta comunitária. Mas, sobretudo, informe-se bem. Vou citar as palavras da mesma Simone de Lima, que faço minhas:

“…nada disso propriamente me supreendeu. Na verdade, a crueldade da indústria da carne é muito mais grave do que tudo isso. Mas é importante saber o que se come, e é importante saber que o grande compromisso dessa indústria é com o seu lucro. Também não é grande novidade. Mas deveria ser nosso direito saber de onde vem a nossa comida. E aí usar essas informações para escolhas do que comer”.

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