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A Teia dos Povos – três mil anos de jornada para acalmar o espírito das pessoas apressadas

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 29/11/2023 |

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Existe um certo fascínio hipnotizante de ver uma aranha em ação. A agilidade, a competência e a genialidade de produzirem, a partir do seu próprio corpo, o lugar mais resistente e elástico do mundo. Imagine você ser capaz de fabricar um material cinco vezes mais resistente que o aço e que se estica até 30% do total do seu tamanho, a partir do poder de glândulas que ficam no seu abdômen. Silenciosa, pacientemente, a aranha produz esse emaranhado de fios onde se protege, onde caça, onde se transforma, onde se reproduz. todas as aranhas produzem a seda, e ela é costurada e usada de formas distintas – têm teia que segura as aranhas que pulam, teia jogada como armadilha para segurar a presa. teia em forma de copo ou em forma de tubo – para morar, para copular. É a teia que conecta a presa com a predadora, a morte e a vida, a aranha e a parede, sujeito e o mundo.

A palavra teia tem origem no latim TELAM, de tela mesmo, tecido formado por vários fios, entrelaçados. Com a evolução da língua, a teia passou a ser também sinônimo de sequência de situações, uma teia de acontecimentos – um enredo, em rede – ou uma intriga, costurada.

A teia permite que a presa seja capturada sem que o impacto a prejudique, absorvendo a energia cinética. Somos feitos de teias e teares. E são nossas teias que absorvem também a energia do impacto do mundo ou a possibilidade de acolher o que chega da forma como é, e em relação, coexistir.

Porém, ao contrário da aranha (ou das milhares de espécies de aranhas) que em 30 minutos tece, suas teias, o tear das relações humanas demanda mais tempo. É um trabalho contínuo de fazer o ninho, abandonar, estender a rede, costurar, e revisitar tudo de novo. É necessário habitar o lugar e se fazer pertencente, um nó na teia não compõe uma rede e o encontro com o outro é do que é feito esse fio. Construir, consolidar, compartilhar, ter a experiência como possibilidade de fazer dos lugares, teares.

Hoje trazemos a história de uma teia. Cheia de gente, de histórias, de comida também. Eu sou a Mónica Guerra. Este é o BoCA, boas conversas alimentam, um projeto do instituto Comida do Amanhã, realizado em parceria com o Noz da nutrição, onde trazemos outras bocas para nos ajudarem a contar aquelas histórias que você quer muito ouvir, que a gente não saberia como contar. Puxe uma cadeira, deixe-se conduzir nesse tear, e pegue uma linha também.

Porque comida e conversa, quando boas, costumam chegar juntas.

ONDE ATERRAR?

Nos últimos anos de sua carreira, Bruno Latour, que se dedicou sobretudo à filosofia da ciência, voltou sua atenção quase exclusivamente para o problema da emergência climática – ou do antropoceno, que é o nome dado pelos cientistas ao aumento da temperatura do planeta causado pelas atividades humanas.

Com a pergunta “Onde aterrar?ele buscava dar conta da angústia causada pela sensação, experimentada por algumas pessoas, de que, com a instabilidade do clima, com a multiplicação das catástrofes climáticas, estamos, por assim dizer, perdendo o chão.

Durante muito tempo – desde o início da modernidade, para ser mais preciso –, esse medo de ficar de repente sem chão estava longe de ser uma preocupação para uma parcela significativa dos seres humanos que povoam, ou colonizam, o nosso planeta.

O sonho moderno, desde o princípio, sempre se apoiou, explícita ou implicitamente, na possibilidade de um horizonte infinito, na expansão da fronteira, na conquista de novos territórios, fossem eles d’além mar, fossem d’além mundo, como atestam os delírios de exploração espacial que hoje, diante de desafios tão urgentes, parecem só fazer sentido nos clássicos da ficção científica ou na mente de dois ou três bilionários.

Para uma parcela não menos significativa da população terrana, no entanto, esse sonho de expansão se traduziu no pesadelo da invasão. Como bem colocou Latour:

“Até pouco tempo atrás, a questão da aterrissagem não se colocava aos povos que haviam decidido ‘modernizar’ o planeta. Ela só se impunha, e de modo muito doloroso, àqueles que, quatro séculos atrás, sofreram o impacto das ‘grandes descobertas’, dos impérios, da modernização, do desenvolvimento e, finalmente, da globalização. Eles sim sabem perfeitamente o que quer dizer estar privado de sua terra. Mais que isso, eles sabem muito bem o que significa ser expulso de sua terra. Com o tempo, não tiveram outra escolha a não ser se tornarem especialistas na tarefa de sobreviver à conquista, à exterminação, ao roubo de seu solo”.

O que muda nesse cenário, com a emergência climática, é que de repente, a questão da aterrissagem se coloca para todo mundo – por mais que muita gente, por motivos de ordem psicológica ou interesses escusos, se negue a encará-la. Para Bruno Latour,

“(…) a impressão de vertigem, quase de pânico, que atravessa a política contemporânea deve-se ao fato de que o solo desaba sob os pés de todo mundo ao mesmo tempo, como se nos sentíssemos atacados por todo lado em nossos hábitos e bens”.

A primeira vez que ouvi falar dos Maxakali, a primeira vez que vi, conversei com alguns deles e tive oportunidade de compartilhar algumas refeições, foi no Assentamento Terra Vista, do MST, que fica no município de Arataca, no sul da Bahia. Acompanhei a cerimônia de despedida dos Maxakali, que estavam lá para um curso, depois de um dia corrido, que tinha tudo para ser cansativo, mas foi revigorante.

Ao longo do dia, eu tinha percorrido o assentamento para conhecer áreas reflorestadas, plantações de cacau e uma fábrica de chocolate que aponta para um futuro muito mais doce do que a maioria das pessoas que se preocupa com a questão da emergência climática é capaz de imaginar.

Bom, deixa eu me apresentar. Eu me chamo Maikel e, apesar de não trabalhar propriamente nisso hoje em dia, ainda me considero jornalista. Trabalho, atualmente, na Editora Machado, onde tive a oportunidade de editar, recentemente, a coletânea Os Mil Nomes de Gaia, que inclui textos de vários estudiosos e pensadores sobre a questão do antropoceno, entre eles, o Bruno Latour.

Paralelamente, estou concluindo um doutorado em filosofia política pela PUC-Rio. Na tese, estudo as relações entre o conceito moderno de nação e a ideia de comunidade. Questões como soberania, identidade, organização política, revolução e formação de laços comunitários e intercomunitários atravessam toda minha pesquisa. Não por acaso, desde que tomei conhecimento do trabalho da Teia dos Povos, fiquei bem interessado. Esses temas, como vocês vão ver, também atravessam a Teia.

Antes disso, bem… antes disso eu trabalhei numa empresa de petróleo que talvez vocês conheçam. No auge da pandemia do Covid-19, decidi abrir mão da estabilidade que esse emprego me oferecia pra fugir pras montanhas, como o pessoal fala. Na época, eu tava em busca de uma estabilidade de outro tipo – ou de uma instabilidade que me fizesse mais feliz.

Como muita gente privilegiada o suficiente pra fazer esse tipo de escolha, eu e minha parceira compramos um pedacinho de terra no sul de Minas. Na maior parte do ano, a terrinha é perfeita para fugir do caos de São Paulo, para receber amigos e para escrever roteiros como este, ao som de pássaros em vez de britadeiras. Às vezes, no entanto, o córrego que passa por ali transborda. E, nos últimos anos, tem transbordado cada vez mais. Por que será, né?

Enfim… se falo dessa experiência pessoal, é para dizer de como ela me ajudou a entender melhor, na prática, a diferença entre terra e território, que é tão central na visão de mundo na Teia dos Povos. E que também pode marcar a diferença entre procurar respostas individuais e coletivas para a pergunta sobre “onde aterrar”.

A proposta de visita à Terra Vista partiu de um dos pesquisadores afiliados do Instituto Alameda, Erahsto Felício. Ao lado de Joelson Ferreira, liderança importante da Teia, Erashto é coautor do livro Por Terra e Território: caminhos para a revolução dos povos no Brasil. Publicado de forma independente, o livro é, até o momento, o melhor caminho para entender a experiência e a visão de mundo da Teia dos Povos.

Além das questões relacionadas à minha pesquisa de doutorado, que já comentei, meu interesse pelo trabalho e pela visão de mundo da Teia dos Povos passa sobretudo pela pergunta colocada por Bruno Latour, no começo do texto.

Passa por essa angústia que a gente experimenta ao se perceber, de repente, meio “sem chão”. E por uma série de tentativas, uma mais, outras menos frustradas, de aterrissar.

A TEIA DOS POVOS

A Teia dos Povos não se vê como um movimento social, mas como uma articulação entre movimentos, comunidades e territórios. A proposta da Teia é criar e fortalecer laços de solidariedade entre grupos diversos, tendo a agroecologia como um de seus fundamentos e a soberania dos grupos articulados como horizonte.

Dando centralidade à luta pela terra (um solo para plantar e produzir o sustento) e pelo território (um lugar para habitar e pertencer), a Teia propõe uma aliança “Indígena, Preta e Popular” capaz de garantir soberania – hídrica, alimentar, energética e pedagógica – para os diversos povos ligados a ela.

Criada em 2012, durante a 1º Jornada de Agroecologia da Bahia, realizada no Assentamento Terra Vista, a Teia é formada hoje por representantes indígenas, quilombolas e campesinos de diversas origens e localidades.

Justamente aqueles que, como afirmava Bruno Latour, sabem “muito bem o que significa ser expulso de sua terra” e se tornaram especialistas “na tarefa de sobreviver à conquista, à exterminação, ao roubo de seu solo”.

A Teia dos Povos é configurada a partir de uma perspectiva onde a diferença entre terra e território é um elemento central. Como escreveram Joelson Ferreira e Erahsto Felício em Por Terra e Território, no trecho que vocês vão escutar agora, na voz do próprio Erashto:

“Quando estamos falando em território, não estamos falando de um quadrado de terra (…). Estamos falando de um lugar cheio de símbolos de pertencimento alicerçados na abundância da vida. O princípio é, portanto, a terra, a luta para se manter nela ou retornar para ela”.

Mais do que resistir e sobreviver, a Teia dos Povos aproxima indígenas, pretos e campesinos para construir e viver com abundância.

Em meio ao pessimismo, à frustração e ao desespero em relação ao futuro, que tomam conta de tanta gente quando o assunto é a emergência climática, a visão de mundo que emerge da Teia é de um otimismo desconcertante.

Falando assim, parece que falta pé no chão, né? Que é preciso “aterrissar”.

Mas é justamente o oposto. É o solo firme do território que torna possível não sonhar com um futuro diferente, mas construir coletivamente esse futuro.

Reparem: não é sonho, é projeto. Vou até repetir, porque isso é papo muito sério – não é sonho – é projeto.

É coisa para “três mil anos”, como gosta de afirmar o Mestre Joelson.

“Não seja identidade, seja entidade. Porque identidade anda sozinho e anda desprotegido, entidade só anda junto. Aqui nada foi feito pela mão de Joelson. Aqui é uma construção coletiva e é também para acalmar o espírito das pessoas apressadas. Três mil anos é por isso. Chega muita gente sofrida, chorando, essa coisa toda, mas quer fazer o bem, quer construir alguma coisa, mas tá sem tempo. Nós precisamos revitalizar o tempo. Minha mãe perguntou: que que cê vai fazer, meu filho. Eu digo: vou trabalhar como a cigarra e a formiga, cantando e trabalhando pra ganhar o pão”.

Joelson Ferreira, o Mestre Joelson, nos apresentando a área onde vai ser erguida a Universidade dos Povos, no assentamento Terra Vista.

TERRA VISTA

Sede do evento que culminou na fundação da Teia dos Povos, em 2012, o assentamento Terra Vista é hoje uma espécie de farol para os diversos grupos ligados a ela. É ao mesmo tempo referência, inspiração e espaço de aprendizado e acolhimento. Me deixem contar um pouco da história desse lugar.

Resultado direto da luta dos militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Bahia, que no dia 8 de março de 1992 ocuparam a Fazenda Bela Vista, de 913 hectares, o assentamento Terra Vista só fincou raízes definitivamente em 1994, depois de resistir a cinco ações de despejo.

Se a imagem que surge na sua cabeça quando você escuta a palavra fazenda remete de alguma forma às propagandas do “agro é pop” que volta e meia pipocam nos intervalos dos programas da TV é possível que você demore um pouco a se situar na paisagem do assentamento Terra Vista.

Para começo de conversa, quando você chega lá, não vê nem pasto nem boi, tampouco lavoura de soja, ou outra monocultura dessas que o mercado internacional de commodities adora. O que você vê é, sobretudo, mato. Talvez você demore a compreender a riqueza que existe ali, a princípio. Talvez precise repensar, primeiro, a diferença entre explorar e gerar riqueza.

E é possível que você precise de um guia para conduzi-lo mata adentro, apontando para as árvores e nomeando espécies que você nem sabia que existiam, ou das quais só ouviu falar nos livros de história. Jequitibá, mogno, embaúba e pau-brasil, por exemplo. Árvores grandes, imponentes ou, como se diz no mercado, madeira nobre, dessas que fazem a alegria dos madeireiros ilegais na Amazônia.

Nas matas da Terra Vista, no entanto, essas espécies não são encontradas como sobreviventes, não estão sob ameaça. Elas estão ali porque alguém, há mais ou menos vinte anos, plantou. Para compreender a importância disso, no entanto, é preciso ter olhos de ver ou ouvidos de ouvir. E se engana quem acha que a gente já vem com olhos e ouvidos preparados para ver e ouvir essas coisas. No meu caso, por exemplo, foi preciso um passeio em meio à primeira área reflorestada pelo Mestre Joelson na Terra Vista para que eu começasse a ver um pouco melhor.

Joelson, pelo contrário, parece ter olhos que veem além das coisas e do tempo. Nesse passeio de poucas palavras, marcado pelo canto dos pássaros pelo barulho dos passos na mata, escutei de Joelson que quando ele começou a plantar árvores no assentamento, utilizando as técnicas da agroecologia, na virada do milênio, muitos companheiros olharam para ele com desconfiança.

Quando a gente tomou essa decisão, chamaram nós de maluco, de doido. (…) Todo mundo tinha ódio da gente, todo mundo chamava nós de preguiçoso, de vagabundo.

Para além dessa reinvenção do tempo e desse projeto coletivo tão desconcertante para alguém que vive há anos a dinâmica da cidade grande, uma das coisas que mais me chamou atenção na visita à Terra Vista foi a profusão de iniciativas já em curso.

Área experimental de cultivo de Cacau

Uma delas é a área de pesquisa sobre cacau, que busca identificar as melhores espécies para o cultivo na região. Outra é a Universidade dos Povos, que busca aliar a prática e a teoria para a formação de especialistas em agroecologia plantar árvores, garantir soberania alimentar e gerar renda nos diversos territórios ligados à Teia.

E, principalmente, já que o tema deste podcast é comida, o Chocolate Rebelde da Teia dos Povos, produzido na Fábrica Escola do Chocolate Litoral Sul.

Mas vamos por partes, e primeiro vamos entender um pouco sobre o papel da agroecologia nesse processo.

TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA – UMA CAMINHADA NA JORNADA

A agroecologia não estava no horizonte da Terra Vista no começo. Nos primeiros anos, eles decidiram cultivar cacau e café conilon, do jeitinho que manda o pacote de assistência técnica dos órgãos públicos. Isso incluía, claro, agrotóxicos e outras técnicas que fazem parte da cartilha do agronegócio. Não deu certo. Como contou o Mestre Joelson, em entrevista ao podcast Prato Cheio:

“Em 1999, a gente tava quebrado, a fazenda não passava de 12, 13 arrobas por hectare, isso não dava condição pra gente viver. Foi aí que em 2000, nós começamos a transição agroecológica (…) E fomos plantando hortaliças, cuidando e plantando frutas, legumes e um bocado de coisa pra fortalecer e ir trabalhando essa questão dos princípios de organizar e fortalecer o solo. Aí organizamos 18 plantas de cacau, ou seja, 18 espécies de cacau. E aí pulamos de 18, 13 arrobas por hectares, fomos para 83, 93 arrobas por hectares.”

Na visão do Joelson, a luta pela terra – absolutamente necessária num país como o Brasil, que nunca levou adiante uma reforma agrária – não era o bastante. Era preciso lutar por territórios, e por isso mesmo a transição agroecológica era estratégica.

A obra de Ana Primavesi foi um guia e a sabedoria chinesa uma inspiração para o Mestre Joelson insistir.

“Em 2000, começamos a transição agroecológica. Dona Ana Primavesi, falou pra nós: solo sadio, planta sadia e gente sadia. Foi aí que nós acordou para a transição agroecológica. Um outro sábio chinês, ele disse: faça uma boa ideia para os olhos do mundo e para os ouvidos do mundo e ela por si só se transforma em milhões. (…) Então aí começamos com uma pequena horta, porque tava todo mundo com fome e reclamando da terra, que a terra não dava nada, que a terra era ruim e aquele desespero total. Então nós chegamos e fomos fazer uma horta, e fizemos uma horta. A partir dessa horta, nós fizemos a nossa soberania alimentar. Quando nós começamos, com dois anos, nós garantiu a soberania alimentar nossa, nós não “passava” mais fome, com dois anos de transição de agroecologia.”

Em Por terra e território, o livro onde a visão de mundo da Teia aparece de forma mais organizada, encontramos uma distinção conceitual entre passo, caminhada e jornada, que é descrita assim:

“O que chamamos de jornada é o objetivo mais amplo, o grande projeto o objetivo (…). A caminhada é uma das etapas necessárias para percorrer essa jornada. Há ainda os passos, que são as tarefas necessárias para lograr êxito em cada jornada.”

Na visita ao Terra Vista, deu para ver que essa distinção conceitual está profundamente enraizada na prática. Lá na virada do milênio, a criação da horta, visando a soberania alimentar, era um passo essencial. Hoje, 20 anos depois, já dá para ter uma ideia mais clara da caminhada que teve início ali e como ela se relaciona com a jornada da Teia.

Um dos momentos mais bacanas da visita ao Terra Vista foi quando o Mestre Joelson nos levou para conhecer a área de plantio experimental de cacau, que eles mantêm lá para estudar, dentre as diversas variedades, aquelas que mais se adaptam às características do solo – sem o estímulo de fertilizantes químicos – e as mais capazes de resistir às pragas – sem recorrer a agrotóxicos.

Por cerca de duas horas, caminhando a maior parte do tempo em silêncio, fomos conduzidos pela floresta. As poucas palavras que Joelson nos dirigia eram principalmente para nomear as espécies nativas e nos dar diferentes frutos de cacau para experimentarmos.

Uns eram mais doces, encorpados, bons de comer e fazer suco. Outros mais ácidos, com mais amêndoa que polpa, perfeitos para fazer chocolate. Todos cresciam no meio da mata, na cabruca, que é como o povo da região chama à técnica de plantar em clareiras, nas quais o cacau cresce à sombra das grandes árvores.

O cacau, reparem, é uma cultura que não depende do extermínio de outras espécies para se desenvolver, mas da solidariedade delas. Da mesma forma como o palmito juçara, que também é cultivado por lá já faz algum tempo. Ou o café arábica, que está começando a ser.

O fruto do cacau, que tivemos a oportunidade de experimentar, é resultado de uma longa caminhada, cujos primeiros passos foram dados lá atrás, e incluíam a recuperação da floresta.

O café é futuro sendo plantado. O presente, no entanto, já é resultado do cacau plantado lá atrás e, hoje, tem gosto de chocolate – do chocolate rebelde que a Teia produz para gerar renda para os assentados da Terra Vista.

A primeira torra do Café do Benvirá

TRÊS MIL ANOS

Um dos maiores desafios encontrados hoje por quem tenta chamar a atenção da opinião pública e dos governos para o problema da emergência climática é lidar com o pessimismo que o assunto costuma produzir. Os prognósticos, não raro, são os piores, e nem todo mundo consegue lidar com eles sem cair no desespero. Um desespero que leva, muitas vezes, à impotência e, no pior dos casos, à negação. O problema parece grande demais. A solução, distante demais.

A Teia dos Povos, nesse sentido, parece mostrar – ou melhor – demonstrar que existem outros caminhos.

Em vez de esperar por uma solução futura para a emergência – e se desesperar quando ela não vem –, o pessoal da Teia está empenhado em construir, em plantar um futuro melhor.

Em vez de sonhar com uma solução tecnológica, quase mágica, para o problema que enfrentamos, a Teia se apoia no saber acumulado há gerações por povos que sobreviveram a muitos “fins de mundo” para produzir outros mundos.

Mundos que não dependem de uma “monocultura” para garantir a sobrevivência da nossa espécie, mas que encontram precisamente na diversidade de culturas o segredo da “boa vida”.

Uma das tradições para quem visita a Terra Vista é plantar lá uma muda de árvore para marcar o início de uma relação de amizade com a Teia dos Povos. Na foto, a cineasta e artista visual Luisa Marques, que nos acompanhou na visita, planta uma muda de mogno africano, sob o olhar atento do mestre.

Obrigada por ler até o final!

Utilizamos na preparação deste texto dois vídeos que você pode encontrar no canal da Teia dos Povos do Youtube: O Canto da Cigarra, o Trabalho da Formiga e o Caminho do Mestre e Trocas de Saberes e Sementes. Vale a pena conhecer. Procura lá no Youtube.

Também utilizamos trechos de entrevistas do Prato Cheio, o podcast de O Joio e o Trigo, que fez um episódio especial sobre a história do chocolate. Procura lá depois o Episódio 2 da Quinta temporada: Os últimos dias do chocolate.

Para quem se interessou pela Teia dos Povos e ficou com vontade de saber mais ou, melhor ainda, quer conhecer o território, uma possibilidade é participar dos cursos e oficinas promovidos pela articulação. No nosso site, colocamos algumas informações sobre o Curso de Construtores e Defensores do Território, que acontece em janeiro. Clica aqui e dá uma olhada lá no site da Teia pra saber mais.

Os textos deste episódio foram escritos por Maikel da Silveira e Mónica Guerra e contaram com a edição e revisão de Roberta Curan.

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