Foto: Andre Borges | Agência Brasília Ao longo das últimas […]

A importância dos programas de alimentação escolar antes, durante e pós-pandemia do COVID-19

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 29/04/2021 |

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Foto: Andre Borges | Agência Brasília

Ao longo das últimas décadas, a alimentação escolar se fortaleceu como uma importante política de proteção social, de promoção da educação, da saúde, da equidade de gênero, de segurança alimentar e nutricional e de desenvolvimento local em vários países do mundo.

A relevância dos programas de alimentação escolar (PAEs) ficou ainda mais evidente durante o período da pandemia do COVID-19, já que o acesso às escolas ficou comprometido e milhões de crianças e jovens ficaram sem receber a alimentação a que tinham direito. No pico da 1ª onda da doença, em 2020, diversas escolas foram fechadas em 199 países e 370 milhões de estudantes deixaram de receber alimentação escolar (WFP, 2020). Esta situação impôs mais um grande desafio às famílias mais vulneráveis durante este período, já que antes da pandemia, não precisavam se preocupar com uma parte da alimentação da família, que era provida pela escola.

Além disso, contratos de compra de alimentos dos agricultores familiares para a alimentação escolar foram suspensos em vários municípios do país, deixando na mão milhares de famílias que já tinham um mercado garantido para sua produção e comprometendo a segurança alimentar e nutricional dessas famílias.

Dada a importância do tema, a ideia deste texto é apresentar um breve resumo de um documento lançado recentemente, o relatório State of School Feeding Worldwide 2020 (O Estado da Alimentação Escolar a Nível Mundial 2020), publicado pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas – PMA (WFP, por suas siglas em inglês), ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2020. O documento busca analisar vários aspectos da alimentação escolar, a nível global, além de examinar o que mudou desde 2013, quando o relatório foi publicado pela primeira vez, destacando os avanços e os desafios, e apresentando também, os caminhos a seguir levando em conta, principalmente, a relevância destes programas durante e após a pandemia do COVID-19.

A seguir, são apresentados os principais achados, levando em conta os avanços e os desafios entre 2013 e 2020:

  • Expansão dos PAEs. Em 2013, 355 milhões de estudantes em todo o mundo recebiam alimentação escolar. No início de 2020, antes da pandemia, os PAEs estavam entregando mais alimentação escolar do que em qualquer outro momento, transformando-se na maior rede de segurança social do mundo. A partir de dados de 163 países, identificou-se que em 161 deles (99%), aproximadamente 388 milhões de estudantes – um de cada dois estudantes ao redor do mundo – são beneficiados com algum tipo de alimentação escolar. A expansão foi mais acentuada em países de renda baixa e média-baixa, como resultado do aumento nos esforços financeiros e políticos, onde o número de crianças recebendo alimentação escolar aumentou 36% e 86%, respectivamente. Os PAEs mais abrangentes estão na Índia (90 milhões de crianças), Brasil e China (ambos 40 milhões), Estados Unidos (30 milhões) e Egito (11 milhões). Quase metade das crianças que recebem alimentação escolar em todo o mundo vive em um dos cinco países do BRICS (188 milhões).
  • Fortalecimento da institucionalidade dos PAEs. Desde 2013, houve um fortalecimento na institucionalização dos programas. A nível mundial, 80% dos países têm uma política de alimentação escolar, representando 4 de cada 5 países, frente a 42% em 2013. O aumento da institucionalidade foi mais acentuada nos países de renda baixa e média-baixa, como parte das políticas governamentais para o desenvolvimento nacional, onde a proporção dos que contam com uma política de alimentação escolar aumentou de 20% para 75%.
  • Maior investimento nacional. Os governos aumentaram o investimento nos PAEs e, atualmente, entre $41 bilhões e $43 bilhões são gastos anualmente com estes programas, dos quais mais de 90% provêm de fundos nacionais. Nos países de baixa renda, a participação do financiamento nacional nos gastos gerais com alimentação escolar aumentou de 17% para 28%, gerando uma menor dependência de doadores internacionais. A título de comparação, em países de renda alta e média, os PAEs são quase universalmente apoiados por fundos nacionais, e o investimento nacional total excede 95% dos custos totais.
  • Estabilidade do custo da alimentação escolar. O custo anual de um PAE mudou pouco desde 2013 e o custo da alimentação de uma criança permanece amplamente semelhante em todos os países e grupos de renda. Dados de 2020 indicam um custo de $55 (em 2013, era $50) em países de baixa renda, $41 ($46 em 2013) em países de renda média baixa e um custo inalterado de US $57 para 2020 e 2013.
  • Alimentação escolar reconhecida como parte de pacote de investimento. Dos 161 países, 93% dos governos implementam a alimentação escolar como parte de um pacote integrado de intervenções complementares de saúde e nutrição escolar, como vacinação, programas de saúde bucal, de desparasitação, de educação alimentar e nutricional, lavagem das mãos com sabão, vigilância alimentar e nutricional, exame oftalmológico higiene menstrual, água potável e purificação da água.
  • Lacuna na cobertura entre os mais vulneráveis. Em 2013, a cobertura da alimentação escolar era menor onde era mais necessária. Em 2020, apesar da lacuna ter diminuído, 73 milhões das crianças mais vulneráveis ainda não recebiam alimentação nas escolas. Em média, 20% das crianças em idade escolar em países de baixa renda recebem merenda escolar, em comparação com 45% em países de renda média baixa e 58% em países de renda média alta. Nos cinco países do BRICS, há uma cobertura média de 61%.

Outros pontos importantes destacados no documento são:

  • Benefícios dos PAEs. Estudos demonstram os benefícios destes programas, como melhorias na educação das crianças, e em sua saúde física e psicossocial, com a maioria dos benefícios recaindo sobre as crianças mais desfavorecidas. Estudos recentes revelaram efeitos nos resultados de aprendizagem, matemática e alfabetização, com efeitos maiores em meninas e meninos abaixo da linha de pobreza nacional.
  • Contribuição para a equidade de gênero. A oferta de alimentação atrai as meninas à escola, e a sua permanência neste espaço contribui para diminuir o matrimônio infantil e a gravidez na adolescência, em vários países, além de melhorar a dieta delas.
  • Contribuição para a resiliência frente a conflitos e emergências. A alimentação escolar também se torna essencial para os estudantes que vivem em situações de conflito, pois acaba por contribuir para a paz e a coesão social destas regiões ao garantir alimentação para parte da família.
  • Criação de empregos. Os PAEs levaram à criação de 3,1 milhões de empregos diretos em 48 países, o equivalente a 1.668 novos postos de trabalho para cada 100.000 crianças e jovens que recebem alimentação escolar.
  • Retorno do investimento. Para cada dólar que é investido por um PAE eficiente, há um retorno de até 9 dólares, além dos efeitos nos demais setores, como educação, saúde, nutrição, proteção social e agricultura local.
  • Contribuição para a redução dos impactos das mudanças climáticas. Quando os PAEs compram alimentos de produtores locais e, preferivelmente, orgânicos, contribuem para a redução das cadeias alimentares, minimizam o desperdício de alimentos, e contribuem para a construção de sistemas alimentares ecologicamente.

 

Reflexões importantes para 2021 e 2022:

O relatório chama a atenção para algumas reflexões fundamentais que devem ser feitas, a partir dos desafios enfrentados durante a pandemia do COVID-19. Em primeiro lugar, ressalta a importância do investimento no capital humano, para que as pessoas atinjam seu pleno potencial e contribuam para o crescimento nacional e o desenvolvimento econômico; e atenta para uma mudança de paradigma com relação à necessidade de se investir, não somente nos primeiros 1000 dias de vida dos indivíduos mas, sim, até os primeiros 8000 dias (aproximadamente até os 21 anos). E que, neste sentido, os programas de saúde e nutrição escolar, entre eles os PAEs, constituem uma maneira bastante eficiente e inteligente de os governos investirem na proteção social e no crescimento, desenvolvimento e na educação de crianças e jovens.

Além disso, aponta que é necessário redefinir o que é educação e reconhecer que investir nos estudantes é investir no futuro, a nível individual e das sociedades. O fechamento das escolas deixou evidente que a educação vai muito mais além de livros e salas de aula e que ela é, provavelmente, um dos pilares mais importantes das comunidades e sociedades. Assim, sugere que o conceito de educação deve ser ampliado para abranger a saúde e o bem-estar das crianças, bem como reconstruir serviços de saúde e nutrição de qualidade e equidade em todas as escolas para todos os alunos.

Os programas de saúde e nutrição escolar e, especialmente, a alimentação escolar, desempenham um papel fundamental, atuando como um forte incentivo para os pais mandarem seus filhos para a escola e para as crianças permanecerem na escola.

O documento lança algumas questões e sugere propostas para os países, como ponto de partida para a busca de ações concretas para fortalecer os PAEs e enfrentar os desafios identificados.

  1. Como é possível acelerar os esforços globais para reabrir com segurança as escolas fechadas em resposta à pandemia COVID-19 e, pelo menos, voltar ao ponto em que estava no início de 2020?
  2. Como os enfoques inovadores de financiamento podem trazer esperança para os 73 milhões de crianças mais necessitadas? Recomenda-se assistência técnica para apoiar os governos a melhorar ainda mais a eficiência de custos e maximizar o impacto de seus PAEs.
  3. Devido ao fato de que os dados disponíveis sobre alimentação escolar se concentram em programas do setor público em países de baixa e média baixa renda, o que se pode aprender com os programas executados pelos países do BRICS, países de alta renda e o setor privado? A criação de um banco de dados global robusto de PAEs ajudaria a compreender melhor a variedade de programas e expandir o escopo de oportunidades de aprendizagem.
  4. Levando em conta que PAEs que compram produtos locais mostraram sua eficácia em países de renda média, como os países de baixa renda podem ampliar os esforços para este mesmo enfoque, como parte de seus programas nacionais? Os países de baixa renda devem ser apoiados para poderem expandir as atividades de alimentação escolar com produtos locais como elementos-chave de seus programas nacionais.
  5. Dado que os PAEs são a maior rede de segurança do mundo e desempenham um papel crítico na resposta a conflitos e emergência, como é possível manter e aumentar ainda mais a resiliência dos sistemas alimentares por meio de uma nova geração de PAEs mais econômicos e ecologicamente corretos?

Ao apresentar todos estes dados, o relatório evidencia o enorme alcance e potencial dos PAEs como estratégias de segurança alimentar e nutricional, de educação alimentar e nutricional e de desenvolvimento local, as quais devem ser fortalecidas pelos países, ainda mais, considerando os cerca de 690 milhões de pessoas que estavam passando fome em 2019 no mundo, antes da pandemia (equivalente a 8,9% da população mundial), somados aos 144 milhões de crianças menores de 5 anos com atraso no crescimento, aos 47 milhões com baixo peso, aos 38,3 milhões com sobrepeso, e aos 340 milhões com deficiências de micronutriente (FAO et al., 2020a).

O combate à insegurança alimentar e nutricional e às várias formas de má-nutrição requer uma abordagem integral e coordenada entre os diversos setores para a formulação, execução e monitoramento das diversas políticas públicas envolvidas nas diferentes etapas do sistema alimentar, com vistas a promover as mudanças necessárias para sistemas mais inclusivos, justos, saudáveis ​​e sustentáveis.

E os PAEs, devido a seu grande alcance e sua enorme demanda por produtos, definitivamente, fazem parte do amplo leque destas políticas, contribuindo para o acesso a dietas saudáveis por grande parte da população, ao mesmo tempo em que têm o potencial de contribuir para o equilíbrio dos sistemas alimentares locais, por meio de seus mecanismos de compras públicas diretas dos agricultores familiares.

Durante o ano de 2020, verificou-se que muitos países empregaram amplos esforços para criar alternativas para seguir com a entrega da alimentação aos estudantes, mesmo durante o período de fechamento das escolas para as atividades educativas. As modalidades de oferta, em países da América Latina e do Caribe, por exemplo, foram diversas e incluíram a entrega de cestas de alimentos não perecíveis e, sempre que possível, perecíveis, na escola ou na casa das famílias ou cartões-alimentação (RAES, 2020).

Neste momento, a volta ou a manutenção das aulas em ambiente seguro, seja em modalidade híbrida ou 100% presencial, deve seguir sendo uma prioridade para poder reverter os danos causados pelo fechamento das escolas. E, mais do que nunca, os gestores devem priorizar a oferta da alimentação escolar adequada, saudável, com produtos da agricultura familiar, respeitando as normas sanitárias, as recomendações nutricionais e de qualidade.

Para acessar o sumário executivo e o relatório completo do PMA, em inglês, espanhol e outros idiomas, com exceção do português: https://www.wfp.org/publications/state-school-feeding-worldwide-2020

FAO, FIDA, OMS, PMA y UNICEF. 2020. El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo 2020. Transformación de los sistemas alimentarios para que promuevan dietas asequibles y saludables. Roma, FAO. https://doi.org/10.4060/ca9692es

RAES (Red de Alimentación Escolar Sostenible).2020. A RAES é promovida pelo Governo do Brasil com o apoio da FAO, por meio do Projeto Consolidação de Programas de Alimentação Escolar na América Latina e Caribe.

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Sobre a autora:
Nutricionista, com graduação em Nutrição pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Doutora em Ciências pela FSP/USP. Vem atuando como consultora da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas desde 2011. Tem experiência nos campos da alimentação e nutrição em saúde pública, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentação e nutrição escolar, segurança alimentar e nutricional, educação alimentar e nutricional e promoção da alimentação saudável.

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