Nesta semana o Comida do Amanhã completa 7 anos, dedicados […]

Irrigar o hoje e colher o Amanhã

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 19/10/2023 |

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Nesta semana o Comida do Amanhã completa 7 anos, dedicados à missão de apoiar a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Quando o projeto começou, ele foi lançado propositalmente na véspera do dia mundial da alimentação, que se comemora, desde 1981, todos os anos no dia 16 de outubro.

Enquanto celebramos as conquistas do Comida do Amanhã, somos tomadas por um paradoxo – por um lado, é importante celebrar o que temos realizado, as parcerias construídas, a confiança conquistada, os impactos de nossas ações. Por outro lado, é imperativo que também façamos uma pausa para refletir. No Brasil e em todo o mundo, a insegurança alimentar e nutricional persiste, afetando milhões de vidas, e os nossos sistemas alimentares estão longe de pacificar a relação que temos construído de uma verdadeira batalha contra o planeta e os sistemas naturais.

Devemos ainda responder ao convite que a FAO nos faz (a todos nós): cada ano o Dia Mundial da Alimentação é organizado em torno de um tema transversal aos sistemas alimentares e este ano, o tema definido pela FAO-ONU para este dia é a Água, com base no lema: “Água é vida, água é alimento. Não deixar ninguém para trás”. O dia torna-se assim uma efeméride para nos lembrar da importância da água para a existência da própria vida no planeta Terra e da sua força de conexão entre toda a Natureza.

A água é responsável pela manutenção dos ecossistemas e da biodiversidade, e também é comida, prosperidade, energia, vida.

A conexão entre a água e a alimentação já é bastante evidenciada e abrange diferentes aspectos, de forma interrelacionada e com impactos nos dois sentidos – nossas águas afetam nossa comida e nossa comida afeta nossas águas.

Por um lado, e de acordo com a FAO, a agricultura é responsável por cerca de 72% das retiradas globais de água doce, também é preciso considerar que a forma como nossos atuais sistemas alimentares estão moldados, com uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos, além de combustível fóssil para os grandes deslocamentos (aéreos, aquáticos e rodoviários), também tem contribuído diretamente para a poluição das águas no mundo. Assim, o impacto dos sistemas alimentares nos sistemas hídricos tem provocado poluição das reservas de água doce, o avanço da desertificação e o desaparecimento de ecossistemas provedores de fontes potáveis, conforme amplamente discutido durante a Conferência sobre a Água da ONU.

Por outro lado, a escassez hídrica impacta diretamente a produção de alimentos, por conta da falta de água para irrigação. Mas vai além, a falta de acesso à água potável, especialmente nas áreas rurais, faz com que diversas famílias tenham que fazer a escolha entre comprar alimentos e comprar água para o consumo humano. No entanto, a escassez também avança fortemente sobre as populações urbanas, gerando problemas que extrapolam os sistemas alimentares tais como falta de saneamento e questões relacionadas à saúde pública.

Já o Relatório Síntese do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC lançado este ano nos alerta para o fato de que em 2019, 22% dos GEE globais estavam relacionados com as atividades de agricultura, silvicultura e outros usos da terra. E o que isso tem a ver com a água e o que comemos? As mudanças climáticas têm impulsionado eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, por um lado as chuvas e enchentes no sul do Brasil, e por outro secas nunca antes vistas, como a que está em curso agora em diversos territórios amazônicos, afetando diretamente não só a forma como produzimos alimentos, mas como é feita a distribuição, o consumo e todas as políticas alimentares.

E é com esta fluidez que a água tanto nos ensina, que este tema perpassa pelos três eixos em que o Comida do Amanhã está ancorado: Comida e Cidades, Comida e Clima e, Comida e Cultura. Nos instiga pensar na soberania hídrica enquanto parte do caminho para garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada e a Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional. Temos alguns exemplos de como o tema das águas tem entrado no nosso trabalho, ainda que estejamos conscientes do quanto esse tema demanda maior destaque na agenda de transição para sistemas mais saudáveis e sustentáveis. Dentre eles gostaríamos de destacar a alimentação proveniente das águas e a importância da discussão sobre a água entre os municípios participantes do Laboratório Urbano de Políticas Alimentares (LUPPA).

Nesta semana reconhecemos como o acesso à alimentação e o acesso à água ainda não é um direito garantido para todos, e o quanto isso é uma mancha em nossa sociedade que não podemos ignorar. Isso nos leva a reforçar nosso compromisso com a missão que estabelecemos, a continuar fortalecendo as trocas e parcerias para juntos pensarmos em novos modelos e soluções que coloquem a comida no centro das discussões e, por relação direta, que sejam capazes de cuidar de nossas águas.

Que o Amanhã possa ser um lugar onde Comida saudável é uma realidade para todas as pessoas, e que o acesso a uma cidadania plena esteja presente em uma sociedade onde água seja também um direito assegurado e universal.

E que possamos continuar a contar com sua parceria e apoio enquanto avançamos nesta jornada.

Com esperança e firmeza no caminho,

A equipe Comida do Amanhã.

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  • Em relatório do Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutricional (HLPE – FSN) lançado nesta terça-feira, 02, o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (LUPPA) recebeu um destaque como rede nacional de cidades. O HLPE é um órgão auxiliar nos trabalhos do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da ONU que todo ano se debruça sobre um tema e lança um relatório de análises técnicas e recomendações de política pública. Este ano, seguindo os passos do relatório “Estado da Segurança Alimentar e a Nutrição no Mundo” (SOFI) de 2023, o tema eleito foi o dos sistemas alimentares urbanos e periurbanos e o contexto da crescente urbanização mundial, com o objetivo de alcançar a segurança alimentar e nutricional das populações que vivem nestas áreas. Apresentando uma análise profunda dos desafios e oportunidades, e mostrando como as zonas periféricas têm um impacto importante nos sistemas alimentares, influenciando a produção, a distribuição e os padrões de consumo a nível mundial. Além disso, o relatório também destaca a importância de uma governança em vários níveis, multilateral, com diversos atores e a relevância das redes de cidades dão apoio para os municípios avançarem na gestão dos sistemas alimentares, trazendo como exemplo o LUPPA. O LUPPA é o maior laboratório de políticas públicas alimentares do mundo, um programa do Instituto Comida do Amanhã em correalização com o ICLEI Brasil, com o objetivo de facilitar a construção de políticas alimentares municipais integradas, participativas e com abordagem sistêmica. Para Juliana Tângari, diretora do Comida do Amanhã e coordenadora do LUPPA, esse destaque reconhece a relevância do trabalho que o LUPPA está realizando no Brasil. “Assim como o IPES-Food em 2023, o HLPE reconhece a relevância das redes de apoio às cidades, especialmente das redes de cidade de âmbito nacional, e tal como o IPES-Food, cita o LUPPA como exemplo de mecanismo de apoio e facilitação para as cidades. Mais uma vez o LUPPA é inserido num rol de poucos exemplos mundiais, sendo o único do Sul Global, indicando a relevância do trabalho que estamos fazendo por aqui”, destacou. Este relatório é uma ferramenta importante para formuladores de políticas públicas, pesquisadores e partes interessadas dedicadas a garantir a segurança alimentar e nutricional no contexto da rápida urbanização. Acesse o relatório completo em: https://www.fao.org/cfs/cfs-hlpe/publications/hlpe-19. Sobre o LUPPA O LUPPA é um programa do Instituto Comida do Amanhã em correalização com o ICLEI Brasil, com o apoio pleno do Instituto Ibirapitanga, do ICS – Instituto Clima e Sociedade e da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e da Porticus, apoio institucional da FAO Brasil – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura e parceria metodológica da Reos Partners.

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