A cidade do Recife está imersa num processo de construção […]

Cidades, feiras agroecológicas e papel das políticas municipais: ideias a partir do debate no Recife

Escrito por Nathalia Figueiredo

em 24/08/2023 |

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A cidade do Recife está imersa num processo de construção democrática e participativa de sua política de fomento a feiras agroecológicas no município. O Recife é uma cidade que não conta com área rural, ou seja, é 100% urbana, no entanto, apesar de possuir um Programa de Agricultura Urbana já iniciado, seu abastecimento depende em grande parte da produção de alimentos na região metropolitana. Em especial o abastecimento das feiras agroecológicas com alimentos provenientes da agricultura periurbana.

No recente Plano de Agroecologia Urbana do Recife, dentro do eixo de economia solidária, foi definido como objetivo incentivar as feiras agroecológicas da cidade, com metas estabelecidas de fazer um diagnóstico ou levantamento das iniciativas existentes, estimular a autonomia digital e a partir desses dados articular iniciativas e apoiar a comercialização da produção agroecológica.

Dando continuidade a esse processo de co-construção e troca de experiências e de inspirações para a política de feiras agroecológicas do Recife, a Secretaria Executiva de Agricultura Urbana realizou um seminário em 31 de julho de 2023, onde foram expostos os programas e ações das cidades de São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A Diretora do Instituto Comida do Amanhã, Juliana Tângari, foi convidada a debater e refletir sobre as experiências apresentadas, bem como os próprios objetivos e metas já traçados pela prefeitura do Recife. A partir de sua participação, apresentamos a sistematização de 5 reflexões sobre o papel de uma política municipal para feiras agroecológicas – uma política alimentar típica por excelência – e 12 ensinamentos práticos coletados desse debate.

Reflexões sobre as funções das Feiras Agroecológicas nas cidades:

  • Garantir acesso à alimentação saudável e de qualidade, de forma democrática, para residentes de centros urbanos, combatendo desertos e pântanos alimentares;
  • Apoiar produtoras e produtores agroecológicos, familiares, de pequena escala, como um meio de oportunizar acesso a mercados ou canais de comercialização para além do instrumento das compras públicas de alimentos;
  • Incentivar a produção sustentável de alimentos, ecológica e de baixo carbono;
  • Fomentar o encurtamento de cadeias e a venda direta de produtoras e produtores a consumidoras e consumidores urbanos;
  • Criar espaços de trocas de saberes e partilha de informações sobre alimentação saudável e sustentável, funcionando como um veículo muito oportuno de educação alimentar e nutricional em sentido amplo.

Quanto às lições contidas nas experiências apresentadas no Seminário, especificamente no que diz respeito ao teor de um programa municipal de fomento a feiras agroecológicas, podemos destacar as seguintes:

  • O objetivo dessas feiras deve ser priorizar a venda direta. A feira agroecológica deve ser pensada para ser uma feira de produtoras e produtores, e portanto, é preciso indagar e debater sobre quais incentivos precisam e podem ser dados pelo poder público para garantir que essas e esses produtores consigam de fato estar numa feira na cidade. Esses incentivos podem ir desde a facilitação de custos, como isenção de cobrança de taxas, fornecimento de barracas ou bancas, até a própria garantia do transporte ao local da feira.
  • Qual infraestrutura ou quais itens de infraestrutura precisam ser garantidos pelo poder público para o bom funcionamento das feiras agroecológicas? Banheiros públicos, higienização das ruas, coleta de resíduos, água limpa, barracas ou bancas, segurança pública, etc devem estar dentro desse pacote.
  • As feiras agroecológicas atendem melhor seus objetivos quando são organizadas de forma separada das feiras convencionais, ou seja, de produtos não ecológicos. O poder público precisa mediar a disputa de espaços e de interesses, garantindo a ampliação contínua das feiras agroecológicas. Além disso, é preciso garantir uma identificação visual que ajude claramente a diferenciar, para consumidoras e consumidores, quando se trata de feira agroecológica.
  • A importância da institucionalização desses programas e políticas também é um ponto comum. Quais marcos legais precisam existir para garantir perenidade e orçamento público para o programa de feiras agroecológicas? Quase todos os municípios estão ancorados em leis municipais para regulamentar e consolidar seus programas de feiras agroecológicas.
  • Quando se fala em regulação, surge um outro debate importante para construção dessa política de feiras agroecológicas: qual é exatamente o papel do poder público municipal? Regulador, financiador, fiscalizador e gestor? Ou apenas parte desses papéis? Quanto à gestão, um consenso aparece: é preciso pensar um programa de feiras agroecológicas a partir do ideal da autogestão ou co-gestão pelas organizações ou coletivos dos produtores e produtores feirantes.
  • No que concerne à regulamentação ou o papel regulador do poder público, é importante definir qual o modelo jurídico de regulação dos direitos e obrigações das e dos feirantes: a permissão de uso deve ser concedida por um edital com regras claras quanto ao processo seletivo e aos modelos de sucessão e extinção da permissão, além da definição sobre a rotatividade dos e das feirantes e as prioridades, caso haja, de concessão (por exemplo: o produtor urbano local pode ter prioridade sobre o produtor da região metropolitana; ou ainda, mulheres podem ter prioridade sobre produtores homens; ou ao invés de um esquema de prioridades, possa haver quotas de espaços para os públicos selecionados).
  • Outro ponto que parece salutar para um bom programa de feiras agroecológicas é o incentivo ou estímulo que o poder público pode dar para o arranjo das associações e cooperativas de produtores agroecológicos e orgânicos.
  • Nesse sentido, chama atenção o apoio que a prefeitura pode dar para fomentar e facilitar a certificação orgânica no modelo SPG (Sistema Participativo por Garantia), como uma forma de agregar valor aos produtos comercializados.
  • Outro importante ponto de atenção é a comunicação e divulgação das feiras, cujas informações sobre dias, horários e locais precisam ser de fácil acesso para a publicação em geral.
  • Ainda no tocante ao papel do poder público, especificamente nas feiras agroecológicas, é o debate sobre como se fazer o controle da origem ou da certificação (nos casos das feiras orgânicas com obrigatoriedade de certificação), e além disso, o controle de higiene e segurança dos alimentos colocados à venda. Um modelo de checklist regular com uma frequência adequada chamou bastante atenção como opção.
  • A possibilidade de oferecer feiras noturnas, em horários que ampliem a possibilidade de acesso das trabalhadoras e trabalhadores de tempo integral, também pode ser considerado essencial para democratizar o acesso a feiras agroecológicas.
  • Por fim, e não menos importante, um tema que não pode fugir da apreciação do poder público ao regular e fomentar feiras agroecológicas na cidade é garantir ou objetivar garantir o preço justo pago à produtora e produtor agroecológico.

A mensagem final é a importante reflexão de que, como muito bem está fazendo o Recife, boas políticas para agricultoras e agricultores agroecológicos demandam a participação desses atores em seu processo de construção e/ou revisão . Partindo sempre da premissa de uma governança inclusiva e democrática, que vai afinal garantir legitimidade e eficácia da política em questão, é preciso que a política de feiras agroecológicas seja construída com as e os feirantes e produtores agroecológicos da região.

 

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