Este segundo semestre do ano de 2023 se inicia com […]
Escrito por Nathalia Figueiredo
em 10/08/2023 |
Este segundo semestre do ano de 2023 se inicia com um forte apelo ao tema das Políticas Alimentares para as Cidades. No contexto nacional, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN tem uma grande retomada e as Conferências de Segurança Alimentar e Nutricional estão ocorrendo em municípios e Estados de todo o Brasil. Nesta conjuntura e atrelado ao nosso eixo de Comida e Cidades, a diretora do Instituto Comida do Amanhã, Juliana Tângari, colaborou com a Oficina da Estratégia Nacional de SAN nas Cidades organizada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – MDS, entre os dias 1 e 3 de agosto em Curitiba, que teve como principal intuito sistematizar subsídios para elaboração de uma estratégia nacional (título ainda a ser definido) de Segurança Alimentar e Nutricional para os grandes centros urbanos. A Oficina foi uma continuação das atividades do Grupo de Trabalho criado em abril no âmbito da CAISAN nacional, para debater a agenda de SAN e centros urbanos, e para o qual o Instituto Comida do Amanhã foi convidado a participar. A reunião de abertura desse GT da CAISAN, contou com palestra inaugural de Juliana sobre os “Pontos de debate para uma agenda nacional de SAN e cidades“.
Para o Instituto Comida do Amanhã agosto é também um mês muito importante, pois é quando um dos nossos principais projetos, o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares – LUPPA, encerra sua segunda edição e inicia seu terceiro ciclo. Abaixo vamos contar um pouquinho o que é e como funciona o LUPPA, como foi a segunda edição e também as principais conquistas, desafios e oportunidades observados ao longo desta segunda edição para as cidades participantes.
O LUPPA
O Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares – LUPPA é uma plataforma colaborativa para apoiar e facilitar a construção de políticas alimentares municipais integradas, participativas, e com abordagem sistêmica. Nele, representantes de diversos municípios do Brasil se unem para trabalhar na construção de uma agenda integrada de sistemas alimentares em suas cidades, cobrindo um espectro de políticas que vão do combate à fome ao combate à emergência climática, passando por geração de renda, garantia de direitos, educação alimentar, regulação de ambientes alimentares saudáveis e desenvolvimento regional, além de outros tantos temas afetos às políticas alimentares.
As atividades do LUPPA são desenvolvidas em ciclos anuais, definidos como edições do LUPPA. Cada edição se inicia com a seleção das cidades novas, através de uma chamada para cidades de até 1,5 milhão de habitantes, que visa identificar governos locais comprometidos com a agenda alimentar, dentro de uma maior diversidade territorial possível. Uma quota de 40% das vagas abertas é dedicada às cidades localizadas na Amazônia legal.
Após a seleção, são convidados a também participarem do programa os representantes da sociedade civil do conselho de controle social de cada cidade selecionada, preferencialmente o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, se houver. Realizam-se então entrevistas e diagnósticos das cidades selecionadas, que, juntamente com as cidades das edições anteriores que tiverem renovado seu compromisso, são convidadas a participar de uma jornada de encontros (oficinas) que vão garantir a troca de experiências entre as cidades.
A matriz de diagnóstico de sistema alimentar municipal desenvolvida pelo LUPPA é uma importante ferramenta de levantamento de dados – que são disponibilizados no MAPA LUPPA – e de exercício da intersetorialidade entre a administração municipal.
Também são oferecidos seminários pelos parceiros de conteúdo do LUPPA, as organizações mentoras. Essa fase inicial garante a preparação para o LAB, customizada pelas demandas e interesses das cidades participantes.
Uma vez a cada edição, é realizado o LUPPA LAB, um encontro imersivo em que todas as cidades participantes mergulham numa jornada de aprendizado e troca de experiências intensa entre si. O LAB é um momento fundamental da jornada de cada edição do LUPPA, e é um evento exclusivo para representantes das cidades participantes, tanto de seus governos quanto de seus conselhos.
Após o LAB, inicia-se a fase das mentorias, pela qual ocorrem oficinas exclusivas, que estreitam uma cooperação técnica entre cada cidade mentora do LUPPA e duas a três cidades selecionadas. Esse é um momento intenso de partilha de experiências, que beneficia tanto as cidades participantes quanto as cidades mentoras do programa.
Paralelamente, seguem em curso, a cada dois meses, as oficinas de acompanhamento dedicadas ao grupo completo da comunidade LUPPA, e não apenas aos grupos das mentorias, dando continuidade aos trabalhos da edição.
Não podemos deixar de mencionar que uma importante ferramenta trabalhada no LUPPA LAB é o “Projeto Âncora”, um roteiro ou exercício que visa apoiar as cidades participantes a desenvolverem estratégias bem planejadas e que deve ser desenvolvido também neste momento pós LUPPA LAB.
Nesta segunda edição tivemos a oportunidade de, pela primeira vez, realizar o LUPPA LAB presencial. As demais atividades da edição são todas conduzidas em formato remoto.
Como foi o LAB Presencial
Entre os dias 01 e 03 de fevereiro de 2023 foi realizada de forma presencial a segunda edição do LUPPA LAB, sediada pela cidade de São Paulo.
Ao longo dos dias do LAB, foram mais de 140 pessoas envolvidas em fazer este evento acontecer. As 26 cidades presentes, membros da comunidade LUPPA, trouxeram mais de setenta participantes, incluindo tanto representantes das prefeituras quanto da sociedade civil, por meio dos conselhos de controle social. Estavam presentes cidades de diferentes tamanhos e realidades das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do País. As cidades amazônicas, representando mais de 40% das cidades presentes no LAB, tiveram a possibilidade de dialogar e trocar experiências e desafios com os demais municípios brasileiros. As cidades que marcaram presença foram Abaetetuba, Alto Paraíso de Goiás, Alvarães, Anchieta, Araraquara, Barcarena, Belém, Bragança, Contagem, Jundiaí, Maracanaú, Maricá, Niterói, Nova Lima, Palmas, Pindamonhangaba, Porto Alegre, Rio Branco, Santarém, Sobral e Vitória do Mearim, além das cidades mentoras, Curitiba, Osasco, Recife, Salvador e São Paulo – a qual também sediou o evento. Estiveram também presentes 30 convidados, entre especialistas no tema das políticas alimentares, governantes, parceiros e apoiadores do LUPPA, tais como representantes da Prefeitura de São Paulo – cidade sede do evento – do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social e do Ministério das Relações Exteriores. A equipe LUPPA, responsável pela realização do evento, reuniu aproximadamente 40 pessoas.
Nesta segunda edição do LUPPA LAB, foram um total de 25 horas de imersão em palestras, atividades práticas, trabalhos em grupo e visitas técnicas, além de diversas “pílulas de inspiração”, por meio de vídeos curtos gravados especialmente para esta segunda edição do LUPPA LAB.
Conquistas, desafios e oportunidades
Ao longo das atividades da segunda edição do LUPPA, foi possível compreender os principais interesses, avanços de agenda, gargalos e pontos de atenção das políticas alimentares, especialmente dos municípios que participaram deste ciclo.
Dentre os interesses e avanços ressalta-se a pauta da agroecologia e da soberania alimentar como ferramentas de chamada das juventudes para as agriculturas. O mesmo pode se dizer em relação à introdução de recorte de gênero no desenho das políticas alimentares, evidenciando-se a elaboração de programas e ações municipais em tema de sistemas alimentares que valorizem, priorizem e evidenciem o papel da mulher.
A preocupação com a preservação da agrobiodiversidade e o despertar para a pauta da bioeconomia e da “floresta em pé” ficaram bastante evidentes nesta edição, especialmente por meio de cardápios sócio-biodiversos da alimentação escolar, bancos de sementes e valorização das culturas locais/regionais.
Não se podia deixar de mencionar o interesse pelas ações municipais de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional. Muitos municípios passaram a criar medidas garantidoras de resiliência, sendo notório o crescimento do interesse em investir em programas como os de cozinhas comunitárias e restaurantes populares, assim como em bancos de alimentos, e até mesmo em programas municipais de aquisição de alimentos, no modelo do PAA federal. Paralelamente houve também um grande esforço em incentivar iniciativas de fomento e apoio à comercialização e distribuição da produção local, assim como em agregar valor à produção local.
A mudança de governo federal em 2023 e a anunciada reestruturação do SISAN nacional e das estratégias nacionais para segurança alimentar e nutricional tiveram evidente efeito em cascata nos municípios. Mesmo naqueles em que o SISAN municipal está ativo, com Conselho, CAISAN e Conferência já programada, é visível que a oportunidade da agenda retomar destaque no âmbito federal impulsionou as atividades dos SISANs municipais. Na 2ª edição do LUPPA percebeu-se um nítido salto de interesse em ativação das estruturas de governança participativa municipais e mesmo na adesão e/ou renovação de adesão ao SISAN nacional.
No que concerne aos pontos de atenção e oportunidades de ação, o acesso da agricultura familiar, especialmente a agricultura urbana, aos programas de compras públicas de alimentos, a emissão de Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) – e seu substituto Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) – é um desafio histórico que ainda não foi endereçado.
Já um tema que pode parecer menos relevante mas que representa um gargalo e ao mesmo tempo um grande potencial transformador, seja pelo aspecto da saúde, pelo aspecto social, e pelo ambiental, é o do desafio de inclusão do pescado artesanal local na alimentação escolar. Ainda no tema da produção local de alimentos, o acesso à terra para agriculturas no território urbano continua sendo apontado como um grande desafio municipal, ante as investidas da especulação imobiliária e a dificuldade de geração de renda com a agricultura urbana. Não só quanto à agricultura urbana, mas igualmente no tocante aos conflitos agrários, aos assentamentos da reforma agrária, e às comunidades tradicionais, verifica-se que sobre os governos municipais recai uma enorme parcela da necessidade de fomentar e apoiar essas agriculturas. E no entanto, ainda se mostra tímido o amadurecimento da compreensão de que o investimento em agricultura urbana e periurbana, para além das pautas do abastecimento alimentar e da geração de renda, pode e deve ser visto pelos governos municipais como um importante serviço ecossistêmico, especialmente se adotados os modelos de agrofloresta e outros modelos agroecológicos.
Outro ponto carente de maior atenção diz respeito à interação entre governos municipais e governo estadual e aos espaços de apoio, suporte e coordenação que os governos estaduais podem ocupar nessa agenda, especialmente no tocante à produção e abastecimento de alimentos.
Por fim, vale destacar que a estrutura da CAISAN municipal é ainda uma grande promessa à espera de efetivação em muitas cidades LUPPA. Sabe-se que as administrações municipais variam muito em formas de organização e organogramas, o que é absolutamente razoável, tendo em vista a diversidade de interesses e demandas prioritárias de cada território. No entanto, as cidades relatam dificuldade em criar, implementar e manter ativas as CAISANs municipais, o que indica que o componente político (centralidade política da agenda de sistemas alimentares) ainda precisa evoluir.
Para fechar as oportunidades de temas que foram ventilados nesta 2ª edição e que certamente merecerão destaque na próxima edição, verifica-se que o tema das parcerias com entidades públicas estatais, entidades do Sistema S, universidades e parceiros do setor privado ainda é um grande ponto a ser explorado e verdadeiro potencial de ampliar os investimentos na agenda.
Se você ficou curioso para conhecer ainda mais o LUPPA, como foi sua a segunda edição, além dos casos inspiradores das cidades participantes e os trabalhos das mentorias, não deixe de acessar os Cadernos LUPPA – Aprendizados do 2° Lab e o Cadernos LUPPA – Aprendizados do 2° LAB – Amazônia, versão do caderno focado nas cidades localizadas na Amazônia Legal, ambos disponíveis na biblioteca site LUPPA. E veja como foi a LIVE de encerramento da segunda edição e do lançamento da terceira edição, no Youtube do Comida do Amanhã.
O LUPPA é um projeto do Instituto Comida do Amanhã, em correalização com o ICLEI América do Sul com o apoio pleno do Instituto Ibirapitangae do ICS – Instituto Clima e Sociedade, apoio especial da Delegação da União Europeia no Brasil, Embrapa e do WWF Brasile apoio institucional da ACT Promoção da Saúde, Alimentação Consciente Brasil, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO Brasil e Humane Society International e parceria metodológica da Reos Partners.
Nossa segunda edição conta com a mentoria das cidades de Curitiba, Osasco, Recife, Salvador e São Paulo e das organizações: Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP – Universidade de São Paulo, do CECANE – Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, do GEPPAAS – Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, do GEPAD – Grupo de Estudos em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, do Instituto Kairós Ética e Atuação Responsável e do Instituto Regenera.